Título: Kirchners tentam limitar papel-jornal
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/10/2009, Internacional, p. A13

Em meio à disputa sobre lei para controlar mídia, governo argentino busca dominar comércio do produto

Na véspera da decisiva votação da Lei de Mídia - com a qual o governo da presidente Cristina Kirchner pretende restringir a atuação dos canais de TV e estações de rádio privados -, o Clarín e o La Nación, os dois maiores jornais do país, denunciaram ontem que o governo também pretende controlar diários impressos por meio da intervenção na empresa Papel Prensa, única fábrica de papel-jornal na Argentina.

A Papel Prensa é controlada pelo Grupo Clarín (49% das ações), o La Nación (22,49%) e o Estado argentino (27,46%). A empresa abastece a maior parte dos jornais argentinos. Segundo os dois jornais, o secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, numa reunião com os diretores da Papel Prensa, no dia 14, afirmou que o governo pretende intervir a empresa. Segundo ele, o governo "tentará achar a maneira de reduzir o valor (da Papel Prensa) para comprá-la ou desapropriá-la".

Uma das alternativas do governo, segundo Moreno disse aos diretores, seria a de derrubar o preço das ações. Além disso, poderia baixar um decreto ou utilizar os sindicatos "mais agressivos" para pressionar a empresa. A medida seria tomada por "expressas instruções da presidente da república".

Moreno - conhecido por colocar seu revólver sobre a mesa durante reuniões com empresários e por manipular o índice de inflação - advertiu que ninguém deveria divulgar o conteúdo da conversa. "Tenho meus rapazes, especialistas em quebrar colunas e arrancar os olhos de quem falar", disse.

A denúncia de tentativa de controlar o papel-jornal - uma tática usada no Brasil durante o período do Estado Novo (1937-1945), quando o produto só podia ser importado pelo getulista Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) - tumultuou o cenário político argentino poucas horas antes do início do debate da Lei da Mídia no Senado. Estimativas indicam que a discussão pode durar 20 horas - o que a estenderia a votação até amanhã de manhã. Tudo indicava ontem que o governo já tinha votos para aprovar o projeto.

A medida determinaria que uma empresa que tenha um canal de TV aberta e outro de TV a cabo deverá desfazer-se de um dos dois. Além disso, estipula que um canal não poderá abranger mais de 35% da população do país. No entanto, permite que o Estado argentino possa operar em todo o território, fato que tornará o canal estatal um dos poucos nacionais. Os outros serão os dos sindicatos,universidades públicas e Igreja Católica.

O principal alvo da lei é o Grupo Clarín, com o qual o governo está em pé de guerra desde o ano passado. A nova lei abre o caminho para o surgimento de novos pequenos grupos de mídia aliados do casal Kirchner.

A jornada também foi tumultuada pelo anúncio de dois senadores da oposição que mudaram seu voto a favor do governo. A senadora Dora Sánchez, da União Cívica Radical (UCR) de Corrientes, confirmou que tinha mudado de ideia e votaria pela aprovação da lei da mídia. A oposição acusou o governo de "comprar votos".