Título: Tensão marca chegada da OEA
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/10/2009, Internacional, p. A9

Governo não publica decreto revogando estado de sítio e encerra ano escolar; desconfiança ameaça negociações

ENVIADA ESPECIAL, TEGUCIGALPA

A missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que chega hoje a Honduras deve deparar-se com o aumento da tensão e a intransigência do governo de facto de Roberto Micheletti, que não aceita a restituição do presidente Manuel Zelaya, deposto em 28 de junho. Além de encontrar uma negociação ainda crua, na qual os dois principais lados têm demonstrado intransigência, novos sinais indicavam ontem um aumento da tensão política em Honduras.

Primeiro, o decreto que estabeleceu o estado de sítio continua vigente no país, embora Micheletti tenha anunciado na segunda-feira a sua revogação. Segundo, o governo de facto decidiu ontem antecipar o encerramento do ano escolar de 30 de novembro para 31 de outubro e a aprovar automaticamente os estudantes para o período seguinte. Com isso, indicou que um conflito pode ser desencadeado e, portanto, seria melhor manter os estudantes em casa.

Ontem, ao final de dois dias de conversas com os diferentes atores da crise, uma delegação de deputados do Parlamento Europeu constatou que Zelaya está disposto a aceitar o Acordo de San José, mesmo com as limitações previstas a sua atuação na presidência. Já Micheletti rejeita 3 dos 12 pontos do acordo, entre os quais o retorno de Zelaya e a convocação de uma Assembleia Constituinte.

O presidente de facto também tem complicado as negociações com propostas alternativas, como a indicação de um terceiro nome para a presidência, em uma tentativa de ganhar tempo. "A base de uma solução negociada tem de ser o Acordo de San José para que possa haver uma eleição livre e transparente (em 29 de novembro) e a reinserção internacional de Honduras", afirmou o espanhol José Ignácio Salafranca Sánchez, deputado europeu pelo Partido Popular.

Da embaixada brasileira, Zelaya dá sinais de que desconfia cada vez mais de seu interlocutor - Micheletti foi seu correligionário no Partido Liberal e o articulador do golpe que o derrubou. Uma das principais preocupações de Zelaya é com as idas e vindas na posição do governo de facto. Ontem, Zelaya criticou em um comunicado o anúncio da revogação do estado de sítio depois da prisão de 12 manifestantes e do fechamento da Rádio Globo e do Canal 36 de televisão. "Roberto Micheletti continua zombando do povo hondurenho, ao manifestar que revoga o decreto após obter o maior dano possível, reprimindo selvagemente o povo", diz o comunicado (mais informações na pág. 12).

Nas conversas com Micheletti, a delegação europeia chegou a adverti-lo sobre o risco de a UE firmar um acordo que inclui o livre comércio com todos os países da América Central, menos Honduras. Logo após o golpe que depôs Zelaya, Bruxelas decidiu suspender a etapa final da negociação com o bloco centro-americano, que deveria ser concluída em janeiro. Esse é apenas mais um prejuízo para Honduras. O FMI já congelou um aporte de US$ 169 milhões, o Banco Mundial suspendeu crédito US$ 150 milhões e os cortes de ajuda dos EUA significam perda anual de US$ 150 milhões para o país. Ontem à noite, centenas de zelaystas vestidos de preto e com velas marcharam até a embaixada brasileira.