Título: Crise ronda indústria naval do Rio
Autor: Pamplona, Nicola
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/10/2009, Economia, p. B5

Sem perspectivas de conseguir novas obras no curto prazo, já há temor de demissões nos estaleiros

Pouco mais de um ano após a quebra do banco americano Lehman Brothers, a crise econômica começa a chegar à indústria naval fluminense. Responsáveis pelo ressurgimento do setor, no início da década, os estaleiros do Estado se preparam para um período de entressafra, motivado pelos diversos adiamentos em licitações de plataformas da Petrobrás e pelo início das operações de canteiros em outros Estados. Demissões são dadas como certas.

Os dois maiores estaleiros do Estado, Mauá e Brasfels, estão finalizando a construção de plataformas e devem passar por um período sem grandes obras. Embora as perspectivas de encomendas futuras sejam grandes, o curto prazo não é animador. "O cenário é o pior possível", diz o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Angra dos Reis, sede do Brasfels, Paulo Inácio Furtuoso.

Não há, hoje, contratos assinados para a construção de novas plataformas no Estado. A única obra em negociação, a P-61, só deve ser iniciada em meados do ano que vem no Brasfels. O canteiro deve receber ainda os módulos da P-58, cujo casco será convertido em Cingapura. A obra, porém, também será feita no médio prazo.

A situação é pior no Mauá, que termina em pouco mais de um mês a obra da PMX-1, plataforma que será instalada no campo de Mexilhão, na Bacia de Santos, e não tem contrato para nenhuma nova plataforma - a empresa ainda pode ser punida pela estatal por envolvimento de executivos na Operação Águas Profundas, da Polícia Federal. O estaleiro está com três navios do Programa de Renovação de Frota da Transpetro e com alguns reparos, mas o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói, Reginaldo Costa e Silva, diz que há risco de 3,5 mil demissões.

Outras vagas podem ser fechadas no Caximbau, canteiro contratado pelo Mauá para a construção de módulos para a PMX-1, que emprega 2,6 mil pessoas. "É um pessoal altamente qualificado", diz Costa e Silva. Segundo ele, uma parte pode ser deslocada para a construção dos navios. Essa atividade, porém, emprega menos do que as plataformas, que demandam complexas obras civis - na prática, são verdadeiras fábricas flutuantes.

No Brasfels, o impacto demora um pouco mais: o estaleiro deve finalizar a P-56, que vai para o campo de Marlim Sul, entre maio e junho de 2010. Furtuoso espera que o corte de aço para a P-61 - que vai para o campo de Papa Terra, na Bacia de Campos - comece em meados do ano. No entanto, diz, a fase de maior demanda de mão de obra, que inclui a parte civil, só deve começar um ano e meio após a assinatura dos contratos. "As demissões devem atingir mais eletricistas, pintores e atividades relacionadas ao acabamento da plataforma."

Os estaleiros evitam comentar publicamente o assunto, mas há sinais de que a euforia do início da década esteja sendo substituída por cautela em relação ao futuro. Segundo analistas, a escassez de obras é fruto de uma combinação entre guinada estratégica da Petrobrás, que optou por afretar no exterior algumas unidades nos últimos anos, e crise econômica, que levou a estatal a frear o ritmo de encomendas à espera de redução nos preços.

A demora na assinatura da P-61 é um exemplo desse último caso. Em janeiro, a companhia anunciou o cancelamento da licitação, que incluía ainda uma outra unidade, a P-63, alegando que os preços estavam acima do esperado. Após o estouro da crise, a companhia adotou postura agressiva de renegociação com fornecedores, chamando os concorrentes de volta à mesa para negociar preços. A primeira unidade foi prometida ao Brasfels no mês passado.

Os afretamentos, por outro lado, foram justificados pela necessidade de agilizar as contratações para projetos importantes. A Petrobrás contratou no exterior as duas primeiras plataformas de Tupi - a primeira, de teste, está em operação desde abril; a segunda, em obras na China - e a unidade conhecida como Pipa (Projeto Itinerante de Produção Antecipada), que vai estrear no pré-sal do Espírito Santo no ano que vem.

CONCORRÊNCIA

O plano de encomendas da Petrobrás para os próximos anos é animador, com a contratação, em estaleiros brasileiro, das plataformas do pré-sal e de 28 sondas de perfuração. A expectativa, porém, é que a maior parte dos contratos seja destinada a estaleiros fora do Rio, construídos nos últimos anos por grupos com forte capacidade financeira e com equipamentos mais modernos.

Neste caso incluem-se o Estaleiro Atlântico Sul, em Pernambuco, e o Rio Grande, no Rio Grande do Sul, além de projetos na Bahia e no Espírito Santo. "O Estado do Rio está caminhando para ter um papel secundário", diz o especialista Filipe Rizzo. Ele argumenta que, além de modernos e grandes, o Atlântico Sul e o Rio Grande são controlados por grandes grupos econômicos, que têm maiores condições de apresentar propostas financeiras mais atraentes.

No Rio, o Brasfels é controlado por um grupo grande, o Keppel Fels, mas não tem espaço para muitas obras. Já o Mauá foi comprado do Jurong pelo empresário German Efromovich e perdeu capacidade econômica, diz Rizzo. "A salvação para o Rio seria a Petrobrás conseguir arrendar o canteiro da Sermetal (na região portuária da capital). Caso contrário, restarão apenas obras de navios, reparos ou pequenas embarcações", aponta o especialista, que fazia parte da equipe da secretaria de indústria naval na época da reabertura dos canteiros.