Título: Sob o controle do clã
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/10/2009, Notas & Informações, p. A3

Um homem de negócios indiciado pela Polícia Federal por formação de quadrilha, gestão irregular de instituição financeira, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica conseguiu que um desembargador relacionado com a sua família proibisse o Estado de continuar publicando evidências comprometedoras para ele e a sua gente, sob a forma de registros de conversas interceptadas pela mesma Polícia Federal, com autorização da Justiça, no inquérito que o investigava. O desembargador, Dácio Vieira, foi declarado impedido de atuar no processo, o tribunal em que a ação tramitava se considerou incompetente para julgá-la, mas a censura prévia não foi levantada ? o ultraje completa hoje 75 dias.

O indiciado que se beneficia da censura é Fernando Sarney, o único filho do presidente do Senado sem mandato parlamentar ou cargo executivo. Isso, no entanto, não impede que o condutor das empresas do clã transite com extraordinária desenvoltura pelos bastidores do poder estatal. Eis uma proeza que possivelmente estaria além das suas presumíveis qualificações profissionais se o seu genitor não fosse quem é e não o tivesse preparado para o exercício de uma atividade em que ele próprio de há muito se distingue: a de manipular a máquina pública para torná-la instrumento dos seus interesses políticos ? e das clientelas que gravitam ao seu redor.

No universo patrimonialista pelo qual essas figuras circulam com a naturalidade dos que se sabem diferentes das pessoas comuns, a indicação de tipos que lhe serão obedientes para os lugares certos e a distribuição dos favores em momentos adequados são a garantia de mais poder, prestígio e riqueza, num círculo vicioso escarnecedor que nada parece perturbar. O caso da hora, de novo envolvendo Fernando Sarney ? configurado a partir de gravações da Polícia Federal ?, é uma amostra de como ele e um antigo apadrinhado da primeira-família maranhense, o ex-ministro de Minas e Energia Silas Rondeau (que deixou o cargo há dois anos sob suspeita de corrupção), controlam a Pasta, entregue pelo presidente Lula a outro pau-mandado do velho Sarney, o ministro Edison Lobão.

Tendo tido acesso a oito diálogos grampeados pelos federais, a Folha de S.Paulo publicou domingo trechos de conversas em que Fernando Sarney e Rondeau "ditam compromissos para Lobão ou para seus assessores e secretárias, marcam e cancelam reuniões do ministro sem avisá-lo previamente, orientam Lobão sobre o que dizer a empresários que irá receber, falam de nomeações no governo e discutem contratos que acabariam assinados pelo Ministério". Segundo o jornal, a Polícia Federal concluiu que os diálogos caracterizam tráfico de influência e que Fernando Sarney "coordenou a prática ilícita". Lobão nega a interferência. "O relacionamento é de amizade", disse, por meio de sua assessoria, como se isso lhes desse direitos especiais junto à administração federal.

Os três amigos se tratam por apelidos ? alguns reveladores. Lobão é "magro velho". Rondeau, "baixinho". Fernando, "bomba", "bombinha" ou "madre". O senador José Sarney é "madre superiora". Numa gravação, de 16 de setembro do ano passado, Fernando avisa Lobão de que "o pessoal da Abert" (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) lhe pedirá para adiar por uma semana o horário de verão. "Mas já está o decreto assinado pelo presidente", reage o ministro. Fernando admite a dificuldade, mas insiste: "Escuta e vê se é possível. Entendeu?" O outro responde: "Tá bem, escuto." Ele repetirá "tá bem", depois de Fernando lhe pedir que ele remarcasse um "contato mais próximo" com um interessado. "Você faz isso para mim?", ordenou o filho do senador.

Em outras conversas, Rondeau, como se fosse ele o titular da Pasta, combina com um empresário e com a secretária de Lobão um encontro de negócios no Ministério, além de intermediar o agendamento de uma audiência a membros de um grupo espanhol do setor de gás natural. Minutos depois de acertar a reunião, Rondeau informa os espanhóis de que o ministro tinha "bastante interesse em ouvir" os seus planos para o Maranhão. Antes de ser nomeado, o ex-jornalista e político maranhense Edison Lobão não tinha familiaridade alguma com questões energéticas. A oposição quer que a Polícia Federal e o Ministério Público apurem se ele cometeu algum crime com os serviços prestados ao antecessor e ao primogênito do seu padrinho político José Sarney.