Título: Especialista vê um conjunto de tentativas para calar oposição
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2009, Nacional, p. A11

Além da mordaça imposta ao jornal, a cientista política Lourdes Sola se diz preocupada com os ataques contra o TCU e o Ministério Público

A cientista política e professora da Universidade de São Paulo (USP) Lourdes Sola, colaboradora do Estado, vê com "extrema preocupação" a evolução dos episódios que levaram à decretação da censura contra o jornal desde o dia 31 de julho, por decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF). Para ela, que é especialista em políticas públicas, a questão não deve ser analisada de forma isolada, mas dentro de um conjunto de tentativas que tem como objetivo calar a oposição.

"Vejo com uma enorme rejeição coisas desse tipo", comentou a professora. "Ao mesmo tempo em que se censura um jornal da importância do Estado, há ataques ao Tribunal de Contas da União (TCU) e uma tentativa de se reduzir o papel investigativo do Ministério Público, o que nos leva a crer em uma ação deliberada, por parte do Executivo, para calar a oposição que incomoda."

O TCU tem sido alvo de uma ofensiva do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, buscando "flexibilizar" a fiscalização do tribunal por considerar que há exagero nas decisões do órgão que recomendam a paralisação de obras federais e também a suspensão de pagamentos. O Ministério Público, por sua vez, vem enfrentando questionamentos do seu papel investigatório setores da Polícia Civil.

RETROCESSO

O momento, na visão da cientista política, abre espaço para um marco do que chama de "preocupante instabilidade institucional". Em sua opinião, a situação é típica de um retrocesso democrático, embora não possa ser comparada com a vivida em países como a Argentina, Venezuela e Equador.

"No Brasil, temos anticorpos e antídotos contra a quebra de democracia, mas é tudo muito preocupante", disse.

A censura ao Estado veio depois de uma ação do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Congresso, senador José Sarney (PMDB-AP), acatada por Vieira, que impediu o jornal de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, responsável pela investigação de negócios da família.

Segundo Lourdes Sola, os desdobramentos do caso são um forte motivo de preocupação institucional. "Ele (Fernando) estava no seu direito ao entrar com a ação, mas o fato de ela ter sido julgada por alguém tão próximo da família como o desembargador (Dácio Vieira ) é preocupante." A professora acrescentou que "é pior ainda" a segunda decisão do TJ-DF, que transferiu o caso para a Justiça Federal do Maranhão. "O que se espera de um Poder é autonomia em relação a outro, para manter o equilíbrio."

CUMPLICIDADE

Para ela, a decisão de transferir a demanda para a terra dos Sarney demonstra a cumplicidade de um setor da Justiça com práticas arcaicas da política no País. "Não sabemos onde isso tudo vai dar, mas nos preocupa porque vai na direção de alterações das regras institucionais, ou seja, são movimentos de regressão", disse.