Título: Após levar o Nobel da Paz, Obama decide estratégia para guerra afegã
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2009, Internacional, p. A12

Opção de levar ou não mais 40 mil soldados para o campo de batalha provoca divisão no governo americano

Com o peso do Nobel da Paz, anunciado na sexta-feira, o presidente dos EUA, Barack Obama, deverá decidir nas próximas semanas se envia até 40 mil militares para combater a rede terrorista Al-Qaeda e a milícia extremista Taleban, elevando para mais de 100 mil o total de soldados americanos no Afeganistão.

"Não será uma decisão fácil como escolher a raça do cachorro das filhas", ironizou anteontem Jay Leno, um dos mais populares comediantes americanos, ao comentar o dilema do presidente - que, aos poucos, fica com a imagem de indeciso na hora de implementar as suas políticas. Desta vez, para complicar, o homem que, segundo a comissão do Nobel, "se esforça para fortalecer a diplomacia e a cooperação entre os povos", terá de optar entre mobilizar ou não mais militares para o Afeganistão, sabendo que centenas ou talvez milhares destes jovens serão mortos.

O resultado desta estratégia para uma guerra que conta com o apoio de apenas 40% dos americanos divide o seu governo e o espectro político do país. De um lado, com o apoio do secretário da Defesa, Robert Gates, e de parlamentares republicanos, o comandante das forças americanas no Afeganistão, general Stanley McChrystal, pede a ampliação do contingente. Do outro, alguns políticos democratas, incluindo o vice-presidente, Joe Biden, defendem que a ofensiva americana seja progressivamente reduzida a operações de contraterrorismo planejadas para derrotar a Al-Qaeda, sem se importar tanto com o Taleban.

Na campanha, Obama argumentava que, diferentemente do Iraque, a guerra no Afeganistão era justa. Ao assumir, decidiu enviar 21 mil soldados para o território afegão, aumentando para 68 mil o total de americanos presentes no país, número considerado insuficiente por McChystal, que pede a ampliação do contingente. Sem as tropas adicionais, avalia o general, não será possível derrotar o Taleban e a Al-Qaeda.

FORÇAS ESPECIAIS

A secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, concorda com a necessidade de enviar mais soldados, mas não os 40 mil propostos pelo comandante das forças americanas. Já Biden argumenta que os EUA, por enquanto, devem manter o atual contingente, mas aumentando o uso de aviões não-tripulados e de forças especiais que têm obtido sucesso em operações de contraterrorismo. Dos 20 militantes mais procurados da Al-Qaeda, 11 foram mortos desde julho de 2008 em ações deste tipo. Nesta estratégia, seria levado em conta que o Taleban é um problema doméstico do Afeganistão que não oferece riscos aos EUA.

Entre os republicanos, é quase unânime o apoio ao aumento das tropas. "Se Obama decidir enviar mais soldados para o Afeganistão, acredito que meus colegas republicanos no Congresso irão apoiá-lo", disse o deputado John Boehner. O senador John McCain, candidato derrotado nas eleições presidenciais do ano passado, chegou a pressionar Obama para que aumente rapidamente o contingente. Os democratas, segundo analistas, estariam divididos. Nancy Pelosi, presidente do Congresso, afirma que muitos deputados, incluindo ela, irão esperar a decisão de Obama antes de definir qual posição deve ser tomada.

Esta divisão é similar à que ocorreu em 2006, quando a situação no Iraque era considerada irreversível e uma proposta bipartidária recomendava a retirada dos EUA. Na época, o então presidente George W. Bush preferiu seguir a recomendação do estrategista militar David Petraeus, que também serve de conselheiro para Obama, e aumentou a quantidade de tropas. Na ocasião, o secretário da Defesa já era Gates, que foi mantido por Obama.

Entre analistas, nos principais centros de estudos dos EUA, sendo alguns próximos dos democratas e outros dos republicanos, a tendência é concordar com McChrystal. "Os últimos oito anos provaram que a opção de contraterrorismo para o Afeganistão não manterá o país unificado", argumenta Michael O"Hanlon, do Brookings Institute. Esta estratégia, defendida pela esquerda democrata, era, ironicamente, a mesma do neoconservador Donald Rumsfeld, secretário da Defesa durante a maior parte da administração Bush. Frederick Kagan, do conservador American Enterprise Institute, escreveu que, "se os EUA adotarem uma estratégia que seja apenas de contraterrorismo, o Afeganistão entrará em guerra civil". Analistas concordam também que não é fácil dissociar o Taleban da Al-Qaeda.

Outro complicador para Obama é a política interna do Afeganistão. "O impasse por causa das acusações de fraude eleitoral pode levar a mais instabilidade", disse ao Estado Jorrit Kamminga, do instituto ICOS. Para ele, "um segundo turno seria muito problemático porque provavelmente não poderia ser organizado antes do inverno afegão (verão no Brasil)". Ele também disse que "haverá ainda quatro, cinco meses em que não haverá um presidente legítimo, podendo levar a mais instabilidade". E, consequentemente, mais problemas para Obama na hora de enviar mais tropas.