Título: Crise expõe Brasil ao custo da liderança
Autor: Costas, Ruth
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/10/2009, Internacional, p. A14

Ao abrigar Zelaya, País fica exposto a acusações de intervencionismo

Ainda é difícil prever o saldo da crise em Honduras para a imagem do Brasil na região, mas, segundo analistas, ao menos é certo que, sob alguns aspectos, esse episódio será um divisor de águas. "Nos últimos anos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se empenhado na busca pela liderança regional", diz Amado Luiz Cervo, especialista em política externa brasileira da Universidade de Brasília. "A crise em Honduras deixa claro que essa busca tem um custo, ao impulsionar as críticas em relação ao protagonismo brasileiro e as acusações de intervencionismo."

Um artigo publicado há duas semanas pela revista americana Time faz uma interpretação parecida. "Lula está numa cruzada para tornar o Brasil um ator internacional sério", diz o texto. "É difícil manter uma tradição não-intervencionista pura com ambições como estas - e, cada vez mais, o hemisfério está dizendo ao Brasil que é um tanto ingênuo insistir que seja possível fazer as duas coisas."

Mesmo aceitando a versão oficial - de que o governo brasileiro não sabia da volta a Honduras de Manuel Zelaya, presidente deposto em 28 de junho, até ele bater na porta da embaixada -, o fato de o Brasil ter sido arrastado para o centro do conflito dificilmente ocorreu por mero acaso. Segundo analistas, a missão brasileira deve ter sido escolhida porque o País tem um papel proeminente na região, é visto como moderado e nos últimos meses as autoridades brasileiras foram enfáticas nas manifestações pró-Zelaya.

"Há uma percepção no atual governo brasileiro de que os recursos que o Brasil pode pôr em favor de sua diplomacia são ilimitados", diz José Augusto Guilhon Albuquerque, fundador do Núcleo de Relações Internacionais da USP. "Se Lula fizer declarações pouco cautelosas sobre todas as questões que aparecem na sua frente - de Honduras ao Irã e à Coreia do Norte -, alguma hora terá problemas."

A crise ocorre num momento em que, com os atores políticos brasileiros já mirando as eleições de 2010, começa-se a analisar o saldo da diplomacia da atual gestão para a região. Lula teve a sorte de governar num período de bonança econômica, no qual as empresas brasileiras se expandiram mudo afora. Entre 1996 e 2004, por exemplo, a média dos investimentos do Brasil no exterior era de US$ 1 bilhão ao ano. Nos últimos anos, foi de US$ 13 bilhões anuais - e o destino de boa parte dos investimentos foram os países vizinhos.

Na política externa, esse crescimento foi acompanhado de uma busca por proeminência. Na região, o Mercosul continuou a ser prioridade, mas a relação com outros países ganhou importância, com projetos como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul).

O aumento da participação regional foi visto como uma forma de ampliar o poder de barganha do País no cenário internacional, mas os resultados dessa estratégia são controvertidos. "Em vez de deixar que a liderança evoluísse normalmente, o governo autoproclamou-se líder regional, subestimando as imagens e os temores que o Brasil tem projetado em seus vizinhos durante séculos", diz Guilhon.

Entre as repostas negativas a essa estratégia, estariam, por exemplo, o aumento dos discursos contra o "imperialismo brasileiro" em países como o Paraguai e a Bolívia.

Guilhon lembra as crises entre o Brasil e esses países, além do Equador. "Esses governos perceberam que o Brasil está disposto a arcar com o custo para ser líder. E não estranharia se, em problemas futuros que o País venha a ter com vizinhos, o protagonismo em Honduras seja colocado sobre a mesa, como suposta prova de que o Brasil é um país intervencionista."

Num cenário como esse, resta ao Brasil empenhar-se para que a crise termine em uma solução negociada. "Há certamente riscos na participação brasileira, mas dizer que o Brasil sairá perdendo é prematuro", opina Tullo Vigevani, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Unesp, Unicamp e PUC. "No entanto, pelo menos o fato de Zelaya fazer chamados políticos do interior da embaixada, sabemos que não é conveniente - nem para o Brasil nem para a resolução do conflito."