Título: Censura subverte o papel do Judiciário
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2009, Nacional, p. A15

Presidente da Associação Juízes pela Democracia vê sinais de autoritarismo na decisão

A censura contra o Estado, mantida desde 31 de julho pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, demonstra, para o presidente da Associação Juízes pela Democracia (AJD), o juiz Luís Fernando de Barros Vidal, a força de um Estado autoritário que se crê onipotente, o que é muito grave para a democracia brasileira.

"Expandindo um pouco esta questão, é o mesmo Estado que se considera desobrigado de pagar precatórios aos contribuintes, de punir torturadores que agiram sob suas ordens. Tudo isso demonstra uma consciência fortemente antidemocrática e que ainda há confusão entre o público e o privado no Brasil", afirmou.

O Estado foi proibido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) de publicar informações sobre as investigações da Polícia Federal sobre o empresário Fernando Sarney, indiciado por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, tráfico de influência e falsidade ideológica na Operação Boi Barrica. Fernando é filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e responsável pelos negócios da família.

O desembargador Dácio Vieira, ligado a Sarney, foi o responsável pela decisão, mantida pelo tribunal apesar de seu afastamento sob suspeição do caso. O TJ-DF se declarou incompetente para julgar a censura, que foi mantida, e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal do Maranhão, que dará a palavra final sobre o caso.

Para o jurista, a decisão do desembargador atenta contra a liberdade de opinião, um dos principais pilares da democracia, juntamente com o direito ao voto, além de se contrapor à Constituição.

"Os chamados pais fundadores da democracia americana sempre fizeram questão de lembrar que este é um direito basilar. Assim como o Judiciário jamais fez menção de controlar o voto, também não poderia nunca censurar a livre manifestação do pensamento."

A Constituição, relembra Vidal, estabelece que não pode existir a censura prévia. Eventuais excessos no uso da liberdade ensejam ações civis e criminais, a posteriori, para reparar danos à privacidade . "Há uma completa subversão do papel do Judiciário, que existe para tutelar a liberdade de opinião e não para restringi-la, o que é extremamente grave."

PRIVACIDADE

Além da censura, para o presidente da AJD há uma confusão de conceitos no caso que envolve o filho de Sarney. "O direito à privacidade existe para proteger o cidadão comum, privado, que leva sua vida de forma pacata. Os personagens envolvidos neste caso são públicos, tratando de questões públicas, o que joga por terra as alegações do tribunal para sustentar a ação", afirmou o especialista.