Título: Dólar fraco ajuda e preocupa os EUA
Autor: Chacra, Gustavo
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2009, Economia, p. B6

Moeda se desvalorizou mais de 10% desde janeiro deste ano, atingindo o menor valor em 14 meses

O dólar se desvalorizou mais de 10% ante o euro desde a posse do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em janeiro deste ano, com a queda se acentuando neste mês e atingindo o menor valor em 14 meses, com bruscas oscilações diárias na cotação. O que já é descrito como derretimento do dólar vem sendo celebrado por alguns, mas visto com cautela e temor por grande parte dos investidores e até mesmo por bancos centrais de outros países.

Esse fenômeno provoca instabilidade no mercado, acostumado a uma política do Federal Reserve (Fed, banco central americano) e do Tesouro ao longo de várias administrações dos EUA de manter a moeda forte, transformando o dólar em porto seguro nas crises em Buenos Aires, Joanesburgo ou Seul. Agora, aos poucos, dizem os analistas, os investidores precisarão se acostumar com uma moeda americana com menor poder de compra diante de euro, libra e iene. Apenas a moeda chinesa, que está atrelada ao dólar, não se valorizou.

Com a economia americana ainda lutando para sair da recessão, um dólar mais fraco comparado a uma cesta das principais moedas internacionais permite que os produtos americanos fiquem mais baratos no mercado externo, aumentando as importações. O resultado tem sido uma redução no déficit comercial americano.

Segundo dados do Departamento do Comércio, o déficit na balança comercial americana diminuiu US$ 1,2 bilhão em agosto, sendo agora de US$ 30,7 bilhões. Tanto as exportações como as importações diminuíram em relação ao ano anterior por causa da crise. Ao todo, os americanos venderam US$ 128,22 bilhões ao exterior e compraram US$ 158,93 bilhões. Ganharam empresas como a General Electric e perderam as que dependem de insumos produzidos no exterior para a fabricação de seus produtos, segundo o Financial Times.

A queda nas importações americanas assusta as economias asiáticas, que têm como principal destino de seus produtos os Estados Unidos. Bancos centrais da maior parte dos países da região vêm intervindo fortemente no mercado para impedir que o dólar se valorize ainda mais, o que tornaria as suas moedas ainda mais fortes em relação à americana. O presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, também pediu que o Fed atue com mais dureza para impedir a desvalorização do dólar. No Canadá, as empresas estão preocupadas com a valorização do dólar canadense ante o americano, que tem elevado o preço dos produtos do país nos EUA.

O presidente do Fed, Ben Bernanke, já sinalizou que, em algum ponto, quando a recuperação econômica estiver consolidada, "precisaremos apertar a política monetária para impedir o crescimento da inflação". Investidores afirmavam, porém, que o dólar deve continuar se desvalorizando porque os EUA demoram um pouco mais para sair da recessão. Países que já voltaram a crescer, como a Austrália, elevaram a taxa de juros, atraíram mais investidores e suas moedas acabaram se valorizando. O dólar australiano é um dos mais valorizados.

Em recente editorial, o Wall Street Journal afirmou que as intervenções no mercado monetário realizadas pelos bancos centrais asiáticos não afetarão o valor da moeda americana. "A solução não está em Manila, Bangcoc ou Paris, mas em Washington", escreveu o diário econômico americano, de tendência mais conservadora. Segundo o editorial, o Fed, com o elevado desemprego nos EUA e o medo de deflação, está "mais preocupado - e talvez unicamente - com a economia doméstica". "Se o dólar se desvaloriza ante outras moedas, esse problema é deles (dos outros países). O Fed deixará o dólar cair."

Para o jornal, essa atitude do banco central americano não está correta, porque, com a queda do dólar e a fuga de capital para outros países, "os competidores globais se tornam mais produtivos e relativamente mais prósperos". Outro complicador, mais imediato, é o aumento no preço de commodities com o valor indexado ao dólar. Esse efeito da desvalorização da moeda americana acaba produzindo boatos como os que dizem que o dólar pode ser substituído por uma cesta de moedas na definição do custo do barril de petróleo - a informação foi negada por autoridades de todos os países citados na reportagem. E o preço do petróleo voltou a disparar, com o barril negociado a US$ 78,53.

O Fed, para reduzir a desvalorização do dólar, poderia entrar no mercado comprando a moeda ou, o que seria mais provável, elevando a taxa de juros, como deu a entender Bernanke. O economista da Universidade de Princeton e Nobel de Economia, Paul Krugman, que segue uma linha considerada de centro-esquerda no espectro americano, escreveu em seu blog que o momento para elevar os juros ainda não chegou. Segundo ele, "a inflação está abaixo da meta de 2% e existe grande capacidade ociosa na economia", o que indica que "a taxa de juro deveria ser negativa, já que não pode permanecer em zero por muito tempo".

Enquanto o dólar cai e algumas moedas se valorizam, inclusive o real, o investimento que mais tem produzido ganhos em meio à instabilidade no mercado monetário é o ouro, que bate recorde quase todos os dias. Na sexta-feira, a onça-troy (31,1035 gramas) valia US$ 1.051.