Título: Em silêncio, uma revolução subjuga o cemitério de papéis
Autor: Recondo, Felipe ; Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2009, Nacional, p. A4

STJ já passou para forma digital cerca de 300 milhões de folhas de processos, amontoados dentro do prédio

A imagem do Judiciário abarrotado de processos passa por uma revolução silenciosa com o programa Justiça na Era Virtual. O motor do programa é o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que ambiciona acabar com documentos de papel até 2010. Só neste ano, tornaram-se virtuais 300 milhões de folhas, o equivalente a 1.600 hectares de árvores derrubadas. Hoje, 10% das ações já chegam e saem do tribunal de forma digital.

O coração do projeto está numa sala do subsolo do STJ. Ali, trabalha um batalhão de 80 digitadores, 64 deles surdos-mudos, que se revezam em dois turnos de seis horas. "Eles têm alto grau de concentração e alcançam produtividade 30% maior que os demais", disse ao Estado Francisco Coutinho, coordenador de Registros. As instruções são repassadas aos digitadores por quatro intérpretes de libras, a linguagem de sinais. "Trabalhamos com capricho para mostrar ao Brasil do que somos capazes", afirmou o baiano Valmar Silva, há um ano no grupo de surdos-mudos.

O STJ lidera o processo por ser destino de ações de todo o País, vindas de 27 Tribunais de Justiça estaduais e cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs). Até setembro, a corte já havia digitalizado 130 mil processos, do estoque de 250 mil ações.

A remessa eletrônica reduz o tempo - em média, de seis a oito meses - para alguns minutos. "Operações que levavam meses, agora são feitas num piscar de olhos", festeja o presidente do STJ, o ministro Cesar Asfor Rocha. A conversão começou em janeiro e, desde a primeira distribuição digital, em junho, foram julgados 12 mil processos eletronicamente.

A inspiração do projeto é a mesma que permitiu saltos tecnológicos como a urna eletrônica, que trouxe economia de gastos e brutal velocidade às eleições. Asfor Rocha compara o impacto da Justiça ao que ocorreu com a digitalização dos bancos, da Receita Federal e dos exames clínicos, que chegam ao médico via online.

Atualmente, montanhas de processos de papel são mandados de volta aos Estados de origem, indexados dentro da rede eletrônica do tribunal. Mais de 8 mil volumes estão empilhados ao lado do elevador, no subsolo do STJ, aguardando embarque. "Seremos o primeiro tribunal do mundo a implantar o processo totalmente eletrônico", aposta o presidente do STJ.

O contrato com os Correios, para transporte de ida e volta da papelada dos Estados até Brasília, custa R$ 20 milhões anuais. Além dessa economia, haverá corte de gastos com papel, impressão e energia. É tão radical a mudança que a Justiça terá de repensar a dimensão de seus prédios, como o do STJ, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Boa parte do espaço existe para acomodar os processos. São os chamados cemitérios de papéis. "O fim dessa era vai evitar que os tribunais invistam em espaço físico por longo tempo", garantiu Rocha.