Título: Especialista vê clientelismo
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2009, Nacional, p. A7
Para Leôncio Rodrigues, episódio demonstra que País não se livrou do patrimonialismo colonial
O cientista político e professor aposentado da USP, Leôncio Martins Rodrigues, vê a censura ao Estado, imposta desde 31 de julho, como um caso típico de clientelismo e patrimonialismo que prejudica a consolidação da democracia e o desenvolvimento do País. "O caso mostra como o poder público brasileiro não consegue se afastar dos interesses particulares. Forma-se uma rede que une e mistura interesses familiares, econômicos, de relações de amizade e de parentesco, que assegura a ascensão política e econômica por meio do controle de setores do Estado, e torna muito difícil a racionalização e profissionalização do serviço público. Houve alguma melhora ao longo dos anos mas, especialmente no Nordeste, o progresso foi bem menor", alertou.
Rodrigues teme que esse tipo de decisão, como a tomada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), possa fortalecer uma certa intolerância, até mesmo da sociedade civil, contra a imprensa e os jornalistas. "Ninguém gosta de ser criticado, contudo é das normas das sociedades democráticas que os que se consideram ofendidos busquem reparação nos tribunais que, por sua vez, devem ser prudentes a fim de evitar que a alegada defesa dos direitos individuais sirvam, de fato, para ferir a liberdade de opinião, um dos valores da democracia."
O episódio que amordaçou o Estado, para o professor, demonstra a força e a capacidade de pressão de lobbies políticos, no caso da família do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), cujo filho, o empresário Fernando Sarney, entrou com a ação contra o jornal, acatada pelo desembargador Dácio Vieira, ligado ao senador.
"Não creio que o País possa voltar a uma situação de censura como a que existiu nos governos militares ou no Estado Novo, mas poderemos passar por situações de censura tópicas ao sabor dos interesses políticos e da capacidade de pressão dos lobbies. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem demonstrando que está bem mais empenhado do que os anteriores a não abandonar as delícias do poder. Para tanto, lança muitas indicações de que, se necessário, passará por cima de certas regras disciplinadoras da competição", afirma Rodrigues.
Ele continua. "Basta observar a atuação aberta dele e da provável candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff, em eventos públicos que ele próprio define como comício."
INDICIADO
Fernando Sarney, filho do senador José Sarney, foi investigado na Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, e indiciado por crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Depois de recursos do Estado, Vieira foi afastado e declarado suspeito.
Na sequência, o tribunal se declarou incompetente para julgar a ação, mas manteve a mordaça. Também foi determinada a remessa do processo para a Justiça Federal do Maranhão, onde a família Sarney têm enorme influência. Até mesmo o fórum do Estado leva o nome do pai do presidente do Senado.
IRONIA
Na opinião do professor, é uma ironia histórica no momento que o País vive em termos de avanços democráticos haver pressões contra a imprensa. "É irônico que tenha sido sob o imperador D. Pedro II, sempre acidamente criticado pelos jornais, que a imprensa brasileira tivesse gozado do maior grau de liberdade de sua existência. A República poderia ter herdado essa qualidade da monarquia", disse. "A realidade tem demonstrado a diferença no tratamento."