Título: Crise derruba ritmo de expansão dos investimentos do governo
Autor: Dantas, Fernando
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2009, Economia, p. B1

Nos 12 meses encerrados em setembro de 2008, taxa de crescimento era de 35,4%; um ano depois, caiu para 8,5%

O ritmo de crescimento dos investimentos do governo federal desabou depois da eclosão da crise financeira global, em setembro de 2008, ao mesmo tempo em que os gastos de pessoal passavam por forte aceleração. Os investimentos federais acumulados em 12 meses, que cresciam em termos reais a um ritmo de 35,4% em setembro de 2008, caíram para um ritmo de 8,5% em setembro de 2009.

Nesse mês, pela primeira vez desde o fim de 2004, o investimento acumulado em 12 meses cresceu abaixo da média da despesa federal, e menos do que todos os outros itens de gasto. De dezembro de 2004 a junho de 2009, o investimento em 12 meses sempre cresceu acima das despesas de pessoal, INSS e programas sociais, com taxas reais que frequentemente se situaram entre 30% e 50%.

Ao mesmo tempo em que a expansão dos investimentos era freada no período pós-crise, o crescimento das despesas de pessoal ganhou ímpeto. Em setembro de 2008, os gastos com pessoal (salários e aposentadorias) acumulados em 12 meses cresceram 3,7% em termos reais, saltando para um ritmo de 13,4% em setembro de 2009.

Os dados foram levantados pelos economistas Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio, e José Roberto Afonso, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Pessôa é assessor do senador

Tasso Jereissati (PSDB-CE), e Afonso presta assessoria ao Senado, na Comissão de Acompanhamento da Crise Financeira e da Empregabilidade. Jereissati, que é relator dessa Comissão, presidida pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), foi quem pediu o levantamento.

Pessôa explica que o dado acumulado em 12 meses, em termos reais, expressa melhor a tendência dos gastos do que o dado de um mês apenas. Os Ministérios da Fazenda e do Planejamento foram procurados, mas não se manifestaram sobre os números.

Segundo Pessôa, "está caracterizado que a chamada política anticíclica (gastos para combater a recessão) do governo é um pretexto pós-crise para decisões que foram adotadas antes da crise, especialmente na área de pessoal".

Ele diz entender que o objetivo do governo é o de melhorar o funcionamento do setor público com uma reestruturação de salários e carreiras, mas acha que o correto seria ter feito "provisões" - isto é, cortes de outras despesas - para tanto. Por uma coincidência fortuita, continua Pessôa, a política de gastos de fato atenuou a crise.

Mas ele lembra que as políticas anticíclicas deveriam ser baseadas no aumento mais forte dos investimentos. Nesse caso, ao contrário do que ocorre com gastos de pessoal, há a possibilidade de reduzir o impulso fiscal depois que a economia se recupera, se em algum momento for preciso controlar pressões inflacionárias.

Com a mudança de curso nos gastos públicos após a crise, os investimentos passaram, em apenas um ano, de item da despesa federal que crescia a um ritmo mais rápido para o que crescia mais lentamente. Em setembro de 2009, pela primeira vez desde dezembro de 2004, os investimentos acumulados em 12 meses cresceram abaixo da média das despesas federais totais, que tiveram expansão real de 11,6%. Além disso, perderam dos gastos de pessoal (13,4%), do custeio (10,5%), do INSS (10,3%), e dos programas sociais (15,5%).

Os economistas notam ainda que, em agosto e setembro de 2009, os investimentos federais em 12 meses tiveram crescimento de apenas um dígito, sendo a primeira vez que isso ocorre desde ao menos dezembro de 2004, a partir de quando calcularam os dados de expansão.

Os números de investimento do trabalho referem-se ao governo federal, incluindo repasses para Estados e municípios, mas não incluem as estatais. Os números são de caixa, isto é, de quanto se gastou efetivamente.

Para Afonso, com a política de desacelerar investimentos e acelerar o crescimento dos gastos de pessoal, "o Brasil está na contramão da teoria e da experiência internacional". Ele cita os gigantescos investimentos públicos do pacote anticíclico chinês acionado para combater a crise de 2008 e 2009, e acrescenta que dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) mostram que vários países latino-americanos também aceleraram o ritmo dos investimentos públicos depois da crise.

O levantamento de Pessôa e Afonso mostra que os investimentos cresciam vigorosamente no início de 2005, com ritmo de aumento no acumulado de 12 meses superior a 50%. Isso se explica em parte, segundo os economistas, pelo nível muito baixo atingido em 2003 e 2004.

Mesmo depois daquele período, no entanto, a taxa de crescimento dos investimentos permaneceu robusta, sempre acima dos dois dígitos, e voltando a se aproximar de 50% no fim de 2006. Em setembro de 2009, os investimentos acumulados em 12 meses cresciam a taxa de 35,4%, e alcançavam, em números absolutos, o total de R$ 26,4 bilhões (contra R$ 7 bilhões no ano inteiro de 2003 - todos os valores estão corrigidos para reais de setembro de 2009).

A taxa de expansão em 12 meses manteve-se alta até novembro de 2008, quando chegou a 37,6%, e, a partir desse ponto, começou a cair. Em julho, a taxa de crescimento em 12 meses já era de 13,3%, recuando para 9,5% e 8,5%, respectivamente, em agosto e setembro. Nesse último mês, em termos absolutos, os investimentos federais acumulados em 12 meses ficaram em R$ 28,7 bilhões.

FRASES

Samuel Pessôa Economista do Instituto Brasileiro de Economia "Está caracterizado que a política anticíclica do governo é um pretexto pós-crise para decisões adotadas antes da crise, sobretudo na área de pessoal"

José Roberto Afonso Assessor do PSDB "Brasil está na contramão da experiência internacional"