Título: Censura é kafkiana, diz cientista político
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/10/2009, Nacional, p. A16

Para Cláudio Couto, decisões do TJ-DF constituem[br]"um completo absurdo" e atentam contra Judiciário

O cientista político Cláudio Couto, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), classifica de "kafkianas" as decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) que mantêm, desde 31 de julho, o Estado e o site estadao.com.br censurados no caso da Operação Boi Barrica. A referência de Couto é ao famoso romance O Processo do escritor checo Franz Kafka, em que o personagem principal, Josef K., se vê envolvido em uma questão jurídica sem sentido ou razão. "Os atos do tribunal desde o começo dessa história são de um completo absurdo. Como é possível, por exemplo, se declarar incompetente para julgar uma causa, mas manter a decisão anterior?", questionou. A decisão foi criticada por vários juristas.

Na opinião de Couto, não há base jurídica para as decisões tomadas pelo tribunal. "O que dá para perceber é que, ao manter a decisão de censura mesmo após a declaração de incompetência, o TJ-DF demonstrou um corporativismo da pior espécie, cuja intenção é proteger a decisão do desembargador do tribunal, Dácio Vieira, totalmente ligado à família Sarney."

Na Operação Boi Barrica, a Polícia Federal investigou o empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Vieira tem relações pessoais com o senador e, após recursos do Estado, foi declarado suspeito por seus pares. Mesmo assim, sua decisão de censurar o jornal foi mantida. Ao mesmo tempo, o TJ-DF determinou a remessa do processo à Justiça Federal do Maranhão, Estado onde os Sarney exercem grande influência.

Fernando Sarney foi indiciado pela PF por lavagem de dinheiro, tráfico de influência, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Além disso, o empresário, responsável pelos negócios da família, tratou da distribuição de cargos no Senado.

CREDIBILIDADE

O corporativismo, para o cientista político, repercute negativamente na imagem do tribunal e do próprio Poder Judiciário, afetando sua credibilidade. "Com todos os absurdos que cercam esse processo, o corporativismo me parece o mais grave", assinalou ele, para quem os juízes de primeira instância têm produzido com certa frequência, em vários casos pelo País, "sentenças estapafúrdias", principalmente em questões que envolvem liberdade de imprensa e de opinião. "Ao assumir a sentença de Vieira, o próprio colegiado do TJ-DF diz que concorda com a decisão. Daí, a decisão reflete a defesa de interesses não da população, como seria de se esperar, mas de um membro do tribunal em particular."

Muitas dessas decisões, na visão de Couto, têm demonstrado o que chama de "excesso de criatividade" ao interpretar a legislação. "Não há amparo legal para censurar um jornal e temos visto isso ocorrer em todo o País. Tudo somado, o caso é um completo absurdo e constitui uma demonstração de abuso de poder."