Título: O custo de envelhecer
Autor: Cechin, José
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2009, Espaço Aberto, p. A2
A população mundial está envelhecendo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que haja 2 bilhões de idosos no mundo em 2025. Em 2000 havia 605 milhões. Em 15 anos o Brasil será o sexto país no mundo em número de idosos. Será que estamos preparados para isso?
Todos podemos adoecer. Esse risco é alto no primeiro ano de vida, declina na infância e cresce com a idade, especialmente a partir dos 50 anos. Estudos em países da União Europeia mostram que os gastos aumentam mais de dez vezes para indivíduos acima de 70 anos, em relação aos gastos com pessoas entre 5 e 19 anos. No Japão a história se repete: os gastos per capita em saúde para pessoas com mais de 75 anos são 7,5 vezes maiores do que para os jovens. No Brasil, os gastos com a saúde dos idosos são mais de seis vezes maiores do que na infância. No entanto, é muito comum vermos consumidores reclamando que, ao completarem 60 anos de idade, têm as suas mensalidades dos planos de saúde reajustadas em valores exorbitantes. Por que será?
O sistema de planos de saúde funciona por mutualismo. As operadoras administram a arrecadação do pagamento das mensalidades e indenizam aqueles que precisaram fazer uso dos serviços médicos cobertos pelo plano naquele período. Se o idoso utiliza mais o seu plano e, portanto, o risco médio de sua faixa etária é maior, compreende-se por que ele deve pagar uma mensalidade maior. A lei dos planos de saúde reconhece esse fato e permite que se discriminem as mensalidades dos beneficiários por faixas etárias, e exclusivamente por estas, mas isso não ocorre livremente. A regulação que rege as operadoras de planos de saúde estabelece regras para a diferença de preços por faixa etária. São admitidas dez faixas etárias, o preço da última não pode ser maior do que seis vezes o da primeira e a variação da sétima para a décima não pode ser maior do que a variação entre a primeira e a sétima. Para as faixas intermediárias não há regras e os reajustes podem ser feitos nas mudanças de cada faixa ou de uma só vez.
Como a variação de custos entre a primeira e última faixa etária é maior do que seis vezes, o equacionamento exige que algumas gerações subsidiem outras. Para respeitar as regras de preço e o necessário equilíbrio econômico-financeiro as operadoras cobram um pouco mais do que o risco (custo médio) das faixas abaixo dos 59 anos e menos do que o risco (custo médio) dos idosos. Assim, jovens pagam mais que o risco médio de sua faixa etária e os idosos, menos, com os mais jovens subsidiando os mais idosos. Esse mecanismo, no entanto, causa um problema: os mais jovens, percebendo essa diferença, optam por não contratar planos de saúde, havendo, assim, menor número de beneficiários entre a população mais jovem do que haveria se o prêmio correspondesse ao risco de cada faixa etária. Essa "fuga dos mais jovens" reduz o valor que é transferido entre gerações para subsidiar os planos dos mais idosos, o que eleva o seu custo para todos. A consequência é que permanecem ou aderem ao plano os idosos e as pessoas que mais precisam dos serviços de assistência à saúde.
Estudo recente mostra que os porcentuais de reajuste nas três últimas faixas etárias (a partir do 44 anos), calculados conforme a regulação, são, de fato, altos. Algumas operadoras dispensam os reajustes intermediários e concentram toda a variação na passagem dos 58 para os 59 anos, o que resulta em elevado porcentual. Não obstante o descontentamento que provoca, essa prática é benéfica para o consumidor. Pela ótica financeira, o consumidor que tem seu plano reajustado segundo a regulação, porém concentrando o reajuste na última faixa etária, deixa de gastar boa parte da mensalidade durante dez anos. Esse valor aplicado mensalmente em caderneta de poupança acumularia valor suficiente para pagar 40 mensalidades do plano de saúde após os 60 anos. Nesse modelo ganham os beneficiários e os planos de saúde, que mantêm mais beneficiários jovens em suas carteiras e, com isso, têm os custos mais diluídos.
Acontece que nem todos detêm essa informação. Apesar de constar em lei e em contratos, o reajuste por faixa etária tem sido objeto de inúmeros processos judiciais. Entretanto, cabe abordar a repercussão econômico-financeira de decisões que superem regras pactuadas ou que alterem os parâmetros previamente estabelecidos.
As operadoras, para comercializarem um produto, têm de realizar os cálculos atuariais para comprovarem a capacidade de honrar o compromisso de garantir a assistência ao beneficiário no longo prazo. As empresas que concentram o reajuste na última faixa etária - o que não é vedado pelas normas - o fazem com base nesses cálculos. Decisões judiciais que não sigam estritamente o que foi previsto no contrato alteram o equilíbrio econômico-financeiro, podendo mesmo ameaçar a solvência da operadora.
O cenário para gastos em saúde é de comprometimento cada vez maior da renda, tanto a de impostos como a dos indivíduos, para suprir as necessidades de assistência à saúde. Incentivar um comportamento prudente da população e apresentar as alternativas para o planejamento financeiro de longo prazo faz parte da mudança cultural necessária para enfrentar as mudanças no padrão de consumo decorrente do crescimento das despesas médico-hospitalares.
O brasileiro, que se criou na cultura inflacionária, tem arraigada a cultura do ganhar para gastar na mesma hora. Porém o cenário econômico mudou e este novo momento exige uma mudança cultural da população para planejar as suas rendas e despesas no longo prazo, tornar-se mais responsável pela suas ações e se preparar para a aposentadoria, quando a renda diminui e os gastos crescem.
José Cechin, superintendente executivo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), foi ministro de Estado da Previdência e Assistência Social