Título: Canais reabrem após fim do estado de sítio em Honduras
Autor: Simon, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/10/2009, Internacional, p. A10

Um dia após representantes do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos chegarem a Honduras, o governo de facto de Roberto Micheletti publicou ontem a revogação oficial do estado de sítio. A medida de exceção havia sido imposta no dia 22, logo depois de o presidente deposto Manuel Zelaya retornar clandestinamente ao país. Com o recuo, a Rádio Globo e o Canal 23 - as duas principais vozes zelaystas, que haviam sido fechadas - voltaram ao ar.

Micheletti havia prometido no dia 5 revogar o estado de emergência, mas a medida só foi publicada no Diário Oficial ontem. Segundo o governo de facto, a impressora que seria usada estava "com problemas".

"Aproveitamos a presença da ONU para reabrir", afirmou ao Estado David Romero, diretor da Rádio Globo. Embora comemore o reinício das atividades, Romero admite que a rádio estará submetida a uma espécie de autocensura. "Pedimos a todos que evitem adjetivos qualificativos, palavras grosseiras e qualquer tipo de violência verbal." Um decreto adicional que fora publicado pelo governo de facto há oito dias e continua em vigência, segundo o qual empresas de comunicação que "incitarem a anarquia" terão licenças cassadas, ainda ameaça veículos pró-Zelaya.

O equipamento da Rádio Globo, confiscado por militares e policiais no dia 28, até agora não foi devolvido. "Estamos na Justiça atrás disso", disse Romero. A Rádio Globo foi alvo de duras críticas por ter insinuado uma conspiração judaica em Honduras e até exaltado Adolf Hitler. O Canal 36 de TV, também amplamente favorável a Zelaya, voltou ao ar no fim da tarde de ontem.

A maior parte da imprensa hondurenha apoia o golpe contra Zelaya e as medidas de exceção do governo de facto. Desde a classificação de Honduras para a Copa de 2010, a interminável disputa política deixou as principais páginas do noticiário nacional. O Exército, a Suprema Corte, a Igreja e organizações do empresariado também continuam favoráveis ao governo de facto de Micheletti.

Apesar de o estado de sítio estar tecnicamente suspenso, manifestantes pró-Zelaya continuaram ontem a evitar marchar pelas ruas de Tegucigalpa. Reunidos na esquina do hotel onde ocorrem as negociações, cerca de 200 membros da Frente Nacional de Resistência (FNR) mantinham-se confinados em um terreno baldio cedido por um simpatizante.

INVESTIGAÇÃO

Vinda de Genebra, a comissão da ONU deverá apurar a partir de hoje violações dos direitos humanos cometidas em Honduras desde 28 de junho, quando militares enviaram Zelaya de pijamas para a Costa Rica. O grupo é liderado por Liliana Valiña, que atuou como investigadora no México, e por Roberto Desogus, que trabalhou na Colômbia. Estima-se que a violência iniciada com o golpe deixou pelo menos 13 pessoas mortas. Uma investigação dos crimes cometidos no interior do país, porém, poderá elevar ainda mais a cifra.

Embora não reconheça o governo de facto, a ONU deverá se reunir com autoridades que atualmente ocupam os três poderes. Os investigadores também pretendem se encontrar com Zelaya na embaixada brasileira, onde o presidente de facto está abrigado desde o dia 21.

Os funcionários da ONU permanecerão no país até o dia 7. No entanto, estima-se que o relatório final da investigação seja apresentado ao Conselho de Direitos Humanos da organização apenas em março.

Teoricamente, o processo pode levar a uma resolução vinculante do Conselho de Segurança e até mesmo a uma investigação internacional. Mas essas possibilidades são remotas.

A Assembleia-Geral da ONU aprovou em julho uma resolução contra o golpe e o Conselho de Segurança emitiu um texto exigindo que o governo de facto respeite a integridade da embaixada brasileira. Fontes do Itamaraty disseram ao Estado que, caso o diálogo não evolua esta semana, a Organização dos Estados Americanos (OEA) também planeja medidas adicionais. COMENTÁRIOS