Título: Mercosul e UE retomam negociação
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2009, Economia, p. B13

Representantes dos dois blocos vão se reunir dia 4, em Lisboa, para tentar de novo abrir o comércio bilateral

Sem esperanças de concluir a negociação da Organização Mundial do Comércio (OMC) com impacto positivo no curto prazo, Mercosul e União Europeia (UE) tentam relançar o processo de um acordo regional, cinco anos depois de um impasse que praticamente colocou a negociação na geladeira. O Estado obteve confirmações de que no próximo dia 4, em Lisboa, negociadores dos dois blocos vão se reunir para reiniciar o processo e ver se há espaço para estabelecer um novo cronograma de negociações.

O encontro estava sendo mantido em sigilo exatamente para não atrair a atenção da imprensa. A cidade de Lisboa ainda foi escolhida para tentar evitar a presença de jornalistas.

A reunião ocorre depois que Brasil e UE chegaram a um entendimento em Estocolmo, há duas semanas, sobre a importância em retomar o processo. Mas muitos ainda são céticos em relação a um acordo de liberalização. A ideia do encontro é que cada delegação aponte o que está disposta a fazer para que o processo seja relançado. Se houver espaço, o processo então será oficialmente relançado com um encontro ministerial.

Na defensiva, a Argentina já fala em um "acordo em etapas" que seria calibrado periodicamente.

O projeto ambicioso de um mercado sem tarifas entre Europa e o Mercosul foi lançado no fim dos anos 90. Mas, desde então, os fracassos nas negociações se acumularam. Os europeus se queixavam de que em 2004, quando o processo foi paralisado, o Mercosul oferecia apenas uma abertura para 70% do comércio bilateral. O objetivo era ter entre 85% e 90% dos fluxos liberalizados.

FORMAS "INOVADORAS"

Os países do Mercosul alertaram que não poderiam fazer mais se os europeus não promovessem uma maior abertura de seu próprio mercado agrícola. Na época, o comissário de Comércio da UE era o francês Pascal Lamy, hoje responsável pela OMC, também em crise.

Por enquanto, o projeto é estudar formas "inovadoras" de atender aos pedidos dos dois lados. Nestor Stancanelli, negociador-chefe da Argentina para acordos comerciais, indicou que uma opção era oferecer um acordo "por etapas".

Assim, o Mercosul daria um sinal político de que ainda está interessado em um acordo comercial. Mas evitaria fazer concessões que a indústria argentina não quer nem ouvir falar.

Na semana que vem, o Mercosul se reúne para tentar definir quais serão os projetos que levará para a Lisboa. A coordenação entre os quatro países do bloco nem sempre foi fácil, já que a resistência da indústria argentina por um acordo chegou a impedir avanços no passado.

O encontro de novembro ainda serve para abrir as portas de uma etapa que os próprios europeus esperam que esteja mais voltado para a América Latina. Em janeiro, a Espanha assume a presidência da UE por seis meses e já indicou ao Brasil, nos bastidores, que voltará a olhar para a região com prioridade. Na atual presidência, da Suécia, o Mercosul nem sequer faz parte da agenda de trabalho como prioridade.

Outro fator importante é a renovação do mandato do português José Manuel Durão Barroso como presidente da Comissão Europeia por mais quatro anos. Barroso já indicou que dá pessoalmente importância ao projeto.

Se, politicamente, um acordo com o Mercosul é importante, os setores industriais europeus indicam que os verdadeiros ganhos estão na Ásia. Bruxelas fechou na semana passada um tratado com a Coreia do Sul e já fala em tentar fechar um acordo com a Índia e outro com os dez países que fazem parte da Associação de Nações dos Sudeste Asiático. Outra possibilidade é ainda uma aproximação com o Japão.

Em termos de eliminação de tarifas, o acordo com a Coreia significará a redução imediata de 1,6 bilhão em gastos para os coreanos e outro 1,1 bilhão para os europeus. Em volume de comércio, a expansão poderia chegar a 30 bilhões.