Título: Argentina propõe à OMC monitorar efeito de pacotes
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/10/2009, Economia, p. B13

Para argentinos, ajuda durante a crise provocou distorções; Brasil fez alertas e ressalvas sobre o projeto

O Brasil se opõe à ideia da Argentina de dar à Organização Mundial do Comércio (OMC) o poder de monitorar o impacto de pacotes para relançar setores em dificuldade por causa da crise. Ontem, o governo de Buenos Aires propôs oficialmente que a OMC faça uma avaliação dos pacotes de socorro aprovados por países em todo o mundo para ajudar suas indústrias.

Diplomaticamente, o Brasil não rejeitou em público a iniciativa de seu parceiro no Mercosul, já que isso poderia ter um custo político. Mas fez alertas e ressalvas para se distanciar na prática do projeto. Estados Unidos, China e Europa - que gastaram bilhões para ajudar suas indústrias - também rejeitaram a proposta.

O Brasil, que chegou a distribuir "bondades" a vários setores durante a crise, não quer que a secretaria da OMC ganhe esse poder de avaliar os pacotes. A ideia de Brasília é que não cabe à secretaria da OMC fazer um julgamento do que é legal e o que é ilegal. "Seria um tiro no pé", afirmou um diplomata.

Pelos princípios da OMC, não é a entidade que tem o poder de abrir uma investigação contra eventuais medidas ilegais. Apenas um outro governo pode acionar os árbitros da OMC se achar que uma medida adotada por um país está prejudicando suas exportações.

Com bilhões de dólares distribuídos por inúmeros países ricos a setores mais frágeis, países em desenvolvimento passaram a questionar as medidas. Para muitos, os pacotes violaram leis fundamentais da OMC, como a que proíbe setores industriais de receber subsídios. Só a indústria automotiva americana recebeu de um golpe mais de US$ 14 bilhões.

"Há pacotes que verdadeiramente distorceram o mercado mundial para alguns setores e isso precisa ser olhado", afirmou o embaixador Nestor Stancanelli, negociador-chefe da Argentina para temas comerciais.

A diplomacia brasileira estima que os argentinos fizeram a proposta de monitoramento para tentar tirar a atenção das medidas protecionistas que Buenos Aires vem adotando nos últimos meses.

A cada três meses, a OMC produz um levantamento das medidas protecionistas pelo mundo. Os argentinos aparecem sempre entre os líderes na adoção de medidas.

Mas elas não são de caráter financeiro. Sem recursos, os argentinos e outros emergentes apenas conseguem se proteger com barreiras comerciais e medidas antidumping. Buenos Aires alega que essas medidas têm impacto muito mais restrito que os pacotes bilionários de alguns governos para setores considerados sensíveis.

As barreiras são conhecidas como o instrumento protecionista de países pobres, que não contam com reservas bilionárias para usar em dar assistência a setores.

No início da crise financeira global, o Brasil havia adotado o mesmo discurso dos argentinos, acusando os pacotes de serem verdadeiras violações às regras da OMC. Mas com pacotes sendo adotados pelos principais países, nenhum se atreveria a abrir um processo contra os demais. O Brasil também passou a dar sua ajuda para alguns setores, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e isenções de impostos.