Título: Mitos e desafios da citricultura no Brasil
Autor: Lohbauer, Christian
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/10/2009, Espaço aberto, p. A2

Talvez uma pequena parte da opinião pública brasileira saiba que o Brasil é responsável por 80% das exportações mundiais de suco de laranja. E talvez também saiba que não há outro setor econômico em que o País tenha posição mundial mais absoluta do que na exportação de sucos cítricos. Mas isso é tudo. A percepção de como funciona a citricultura, os processos de produção industrial, as características dos produtos, a sofisticada logística e o mercado internacional são desconhecidos. Pior do que isso, nos últimos anos vários estigmas foram criados a respeito do setor - e o desequilíbrio entre a realidade e a ficção tornou-se abissal.

O Brasil é o maior produtor de laranjas e também o maior produtor e o maior exportador de suco de laranja do mundo. Mais de 30% de toda a laranja produzida no mundo está no Brasil. Mais de 97% de todo o suco de laranja produzido no nosso país é exportado. O brasileiro bebe muito suco de laranja, mas tem o privilégio de poder comprar a fruta na feira ou no supermercado e consumir o suco fresco, em casa ou em restaurantes.

Ao contrário da avicultura e da suinocultura, a cadeia produtiva da citricultura não é integrada. Isso significa que não há um sistema totalmente conectado entre a totalidade dos produtores da fruta, a indústria processadora e os mercados importadores. É semelhante aos sistemas cafeeiro, sucroalcooleiro e pecuário. A citricultura tem parte de sua produção pertencente às próprias indústrias processadoras (cerca de 30%); outra parte, vinculada às indústrias por meio de parcerias ou contratos plurianuais com preços fixos por caixa (cerca de 50%) e aos fornecedores do mercado spot, isto é, aqueles produtores que vendem sua fruta no momento da safra (cerca de 20%).

Esse sistema permite que, em momentos de mercado internacional em alta, os produtores do mercado spot consigam preços muito bons pela fruta ofertada. Quando o mercado está superofertado, como ocorre hoje, não há procura pela fruta fora dos contratos plurianuais. E com a aflição de parte dos produtores em repetidos ciclos de baixa, neste quadro clássico de oferta e procura, foram criados mitos em relação à indústria brasileira de suco de laranja.

A laranja não é uma commodity, mas o suco de laranja é. Isso significa que tem seus preços referenciados pela Bolsa de Valores de Nova York, a única no mundo a cotar suco de laranja, e sua cotação de contratos futuros contribui para explicar os preços do produto no mercado internacional e o preço que a indústria paga pela fruta no mercado brasileiro. Quando se verificam a trajetória das cotações de contratos futuros de suco de laranja e os preços médios pagos pela indústria no mercado nacional, comprova-se a exata relação entre a demanda internacional e o preço pago pela fruta no mercado nacional. Ao contrário de um dos mitos, não existe conflito entre a indústria de suco de laranja e os produtores da fruta. O que existe, sim, é uma insatisfação geral quando os preços internacionais do suco caem e o excesso de oferta provoca prejuízos para todos. E para momentos como este a indústria de suco tem manifestado apoio a qualquer iniciativa pública que possa trazer algum conforto ao produtor.

Outro mito envolve a concentração do setor exportador de suco de laranja. É verdade que, nas últimas duas décadas, cerca de 15 empresas se consolidaram em quatro grandes empresas, responsáveis hoje por mais de 95% da exportação do País: Citrosuco Fischer, Citrovita Votorantim, Louis Dreyfus Commodities e Sucocítrico Cutrale. Isso foi apenas uma antecipação do fenômeno de concentração verificado atualmente em vários setores do agronegócio brasileiro, como os de carne bovina, carne de aves e suínos, açúcar e álcool.

Essa concentração na citricultura é consequência da busca incessante por maior competitividade e eficiência produtiva em pomares e indústrias. São outros tempos e um outro mundo. Nos anos 1980, pomares sem irrigação e sem adensamento, produzindo 400 caixas por hectare, eram competitivos. Hoje, com menos de 700 caixas por hectare ficou difícil ganhar dinheiro como fornecedor da indústria. A qualificação do produtor é uma exigência muito maior nos dias de hoje. Mas, em vez de se prestigiar um processo resultante do capitalismo moderno de empresas que precisam investir maciçamente em produção, tecnologia industrial e logística do transporte terrestre e marítimo, há uma campanha constante para desqualificar essas companhias, com acusações levianas e conspirações de toda natureza.

Ao mesmo tempo que produzir e exportar suco de laranja se torna uma operação cada vez mais cara e sofisticada, o consumo mundial do produto vem-se reduzindo há anos. De 2001 a 2008 a queda foi de 17%, diante do maior interesse de europeus, norte-americanos e japoneses por águas aromatizadas, sucos de outras frutas, isotônicos e energéticos. Além, é claro, dos eternos refrigerantes.

Esse quadro representa um desafio para toda a cadeia da citricultura brasileira. É preciso provocar o interesse e renovar o impulso dos consumidores de todo o mundo pelo mais nutritivo e saudável suco entre todas as frutas. Também há outro desafio, na ponta da produção, que se tem mostrado ameaçador e até arrasador em algumas regiões: o greening, doença bacteriana que tem atingido os pomares de São Paulo, provoca a destruição de parcelas significativas da produção e põe a lucratividade de muitas áreas em xeque.

É hora de virar a página na citricultura. Informar a sociedade sobre a competência industrial e produtiva do setor, além de unir forças para combater o greening e provocar a retomada do consumo internacional. Não há tempo a perder. Os ressentimentos devem ficar para trás.

Christian Lohbauer é presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR)