Título: Jornal publicou poemas durante regime militar
Autor: Macedo, Fausto
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2009, Nacional, p. A10

O jornal O Estado de S. Paulo passou 6 anos e 23 dias sob censura prévia, de 12 de dezembro de 1968 a 3 de janeiro de 1975, durante o regime militar, período em que decidiu substituir os textos, fotos e desenhos proibidos por material de ficção, para alertar os leitores. Cartas inventadas na Redação, comentários desconexos e poemas de Castro Alves, Gonçalves Dias, Manuel Bandeira e outros autores, especialmente versos de Os Lusíadas, de Luis de Camões, ocuparam o espaço que, por imposição da polícia, não poderiam ser deixados em branco. No Jornal da Tarde, do mesmo grupo pertencente à família Mesquita, as reportagens censuradas eram substituídas por receitas de doces e bolos. A história da censura sofrida pelos dois jornais está no livro Mordaça no Estadão, lançado pelo jornalista José Maria Mayrink, em dezembro de 2008, lembrando os 40 anos da edição do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Como Julio de Mesquita Filho, morto em julho de 1969, não concordou em fazer autocensura, decisão mantida por seus filhos Julio de Mesquita Neto e Ruy Mesquita, o Ministério da Justiça instalou censores no Estado e JT. A censura prévia começou à meia-noite de 12 de dezembro de 1968, um dia antes da edição do AI-5, porque Julio de Mesquita Filho se recusou a cortar o texto Instituições em frangalhos, último editorial que redigiu, no qual denunciava as arbitrariedades do regime. "Meu pai caiu doente logo depois e nunca mais voltou ao jornal", recorda Ruy Mesquita, diretor do Estado, que na época dirigia o JT. Segundo a pesquisadora Maria Aparecida de Aquino, da Universidade de São Paulo (USP), foram cortados 1.136 textos, de 29 de março de 1973 a 3 de janeiro de 1975. "Versos de Os Lusíadas foram publicados 655 vezes, desde o dia 2 de agosto de 1973, quando apareceram pela primeira vez para tapar o vazio deixado por um editorial que criticava a eventual indicação de um militar para o Ministério da Justiça", informa o historiador José Alfredo Vidigal Pontes, curador do acervo cultural do Grupo Estado. Além de recorrer à Justiça contra a censura, o jornal protestou contra a arbitrariedade em telegramas a ministros, deputados e senadores. "Todos os que estão hoje no poder dele baixarão um dia e então, senhor Ministro, como aconteceu na Alemanha de Hitler, na Itália de Mussolini, ou na Rússia de Stalin, o Brasil ficará sabendo a verdadeira história deste período", escreveu Ruy Mesquita ao ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, em agosto de 1972. "O Estado não aceita passivamente a censura a que vem sendo submetido", afirmou Julio de Mesquita Neto, em outubro de 1973, na assembleia geral da Sociedad Interamericana de Prensa (SIP). Por ordem dele, todo o material censurado foi arquivado para ser reaproveitado no futuro ? o que de fato ocorreu.