Título: Hospital teria simulado radioterapia
Autor: Tavares, Bruno
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2009, Vida&, p. A22

Ministério Público investiga denúncia de que doentes em Santos passaram por tratamento em máquina quebrada

O Hospital Beneficência Portuguesa de Santos, um dos mais importantes do litoral paulista, é investigado sob a suspeita de ter simulado tratamentos de radioterapia oferecidos a pacientes com câncer. O Ministério Público Estadual apurou que pelo menos sete doentes passaram pelo chamado acelerador linear - dispositivo que emite feixes de radiação sobre a área afetada - em um período em que o aparelho estava quebrado.

Em depoimento, uma técnica do setor de radioterapia confirmou a prática e disse que as ordens para ludibriar pacientes teriam partido de um dos médicos da Unirad, responsável pela unidade de radioterapia do local desde 1986. O hospital diz que rescindiu o contrato (mais informações nesta pág.).

Segundo relatos colhidos pelos promotores, a partir do segundo semestre de 2007 o acelerador linear começou a apresentar defeitos. "Ficava uma ou duas semanas funcionando e depois quebrava novamente", contou a técnica em radioterapia Renata Cardoso Caldeira. Na época, ela disse ter sido orientada pelo médico Hilário Romanezi Cagnacci, da Unirad, a posicionar os pacientes no aparelho inoperante. Ao ser questionado pela técnica, Cagnacci teria afirmado que aquelas aplicações seriam repostas e não trariam prejuízos aos doentes. Pelo contrário: "Melhorariam a parte psicológica dos pacientes".

A funcionária entregou ao Ministério Público uma relação com o nome de sete pacientes que, sem saber, teriam sido submetidos ao tratamento simulado. Desconfiado, um deles chegou a questioná-la sobre a ausência do som característico emitido pelo acelerador linear quando está em funcionamento.

As denúncias feitas por Renata foram confirmadas por outros dois funcionários do Beneficência Portuguesa. A técnica em radioterapia Cristiane da Silva disse que também teria recebido ordens de Cagnacci para colocar os pacientes na máquina desativada. O médico radioterapeuta Joaquim Gomes de Pinho, um dos donos da Unirad, ratificou as acusações feitas contra seu sócio. Na ocasião, pacientes dele começaram a desconfiar da informação de que o acelerador linear estava quebrado, uma vez que os doentes tratados por Cagnacci continuavam recebendo as aplicações de radiação.

O Ministério Público reuniu ainda documentos dando conta de que o médico oferecia radioterapia conformacional - tipo de terapia que atinge o tumor com mais eficiência sem afetar estruturas vizinhas. Entretanto, nenhum dos equipamentos do Beneficência Portuguesa dispunham dessa tecnologia.

"O médico tem o dever jurídico de ministrar todos os meios necessários para tentar restabelecer a saúde do paciente, não podendo deixar de tratá-los porque, em tese, estariam em estado terminal", afirmou o promotor Cássio Conserino, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O Ministério Público vai acionar o Conselho Regional de Medicina para que tome as medidas cabíveis na esfera administrativa.

Os envolvidos podem ser enquadrados nos crimes de estelionato, infrações sanitárias, crime contra as relações de consumo e formação de quadrilha.