Título: Governo aposta em recuo argentino
Autor: Veríssimo, Renata
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/10/2009, Economia, p. B15

Miguel Jorge diz que retardar a entrada de produtos argentinos pode forçar país vizinho a rever barreiras

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, disse esperar que a utilização de licenças não automáticas, que retarda a entrada dos produtos argentinos no Brasil force o governo do país vizinho a rever as barreiras que colocou contra produtos brasileiros. Ele evitou, no entanto, falar em retaliação. "Nenhuma retaliação, imagina!.... Não se pode falar em retaliação...", ironizou.

Segundo Miguel Jorge, o objetivo da medida, adotada na semana passada, sem anúncio oficial, é fazer com que as importações demorem um pouco mais, para que o Brasil possa fazer uma avaliação do comércio bilateral. "É um direito do País. Queremos analisar como se comportam as importações da Argentina e avaliar quais são as mais importantes para o País."

O ministro disse que não recebeu nenhuma reclamação oficial do governo argentino em relação à medida. Mas, na terça-feira, o embaixador brasileiro em Buenos Aires, Mauro Vieira, foi chamado pelo chanceler argentino, Jorge Taiana, para explicar a imposição das licenças automáticas. A Argentina classificou de "desproporcionais" as retaliações brasileiras.

Uma fonte do governo brasileira, no entanto, reagiu com ironia à declaração do governo argentino. Segundo essa fonte, no mesmo dia em que o embaixador brasileiro foi chamado, a Argentina incluiu mais 50 itens no licenciamento não automático. Com isso, sobe a 407 itens o número de produtos brasileiros que devem aguardar liberação para entrar no país. Já o Brasil incluiu cerca de 15 itens no licenciamento não automático.

A fonte informou ainda que a Argentina decidiu esta semana aplicar direito de antidumping definitivo contra as exportações brasileiras de talheres. "A decisão do Brasil é apenas um endurecimento. Se fosse para retaliar de verdade, teria de ser um número muito maior de produtos", argumenta. Apesar da mudança de atitude, a fonte informou que o governo brasileiro está avaliando os casos mais urgentes para liberar as importações de produtos perecíveis.

Ainda ontem, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) decidiu que vai recorrer da exigência de visto do consulado da Argentina no Brasil para exportações de madeira e móveis. A secretária executiva da Camex, Lytha Spíndola, disse que a medida será questionada nos "órgãos competentes". O Brasil não decidiu se irá ao Tribunal Arbitral do Mercosul ou à Organização Mundial do Comércio.

Há mais de um ano, o Brasil tenta reverter as barreiras impostas aos produtos brasileiros pelo País vizinho. A mudança de atitude, segundo fontes do governo, foi uma determinação do próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que sempre adotou um tom diplomático nos encontros com a presidente da Argentina, Cristina Kirchner, para justificar a então postura compreensiva do Brasil.

O secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Welber Barral, sempre defendeu uma atitude mais dura, mas encontrava resistências no próprio ministério e no Itamaraty. Agora recebeu determinações do Planalto para reagir às medidas protecionistas da Argentina.

Ontem, o secretário afirmou que "qualquer parceiro comercial que queira acesso ao mercado brasileiro tem de garantir acesso ao próprio mercado". Segundo ele, o governo brasileiro está tentando negociar com a Argentina a eliminação das licenças não automáticas nos dois lados. "Com a Argentina, temos os problemas de sempre e estamos tentando negociar."

PROCESSOS

Na Argentina, os produtores de frutas frescas de províncias exportadoras pretendem iniciar processos contra o Brasil. O governador de Mendoza, Celso Jaque, assinou decreto para entrar com ações judiciais de cobrança dos prejuízos causados pelas restrições comerciais que o governo brasileiro adotou em 14 de outubro para 15 alimentos argentinos.

Pressionados pelas câmaras empresariais e produtores, os governadores de Rio Negro, Miguel Saiz, e de San Juan, José Luis Gioja, também pretendem acionar a Justiça, segundo fontes oficiais. O mesmo caminho está sendo avaliado pelas províncias de Neuquén e La Rioja. O cenário é de aprofundamento do conflito bilateral. COLABOROU MARINA GUIMARÃES