Título: Perigoso deboche
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Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2009, Notas e informações, p. A3

Descumprir uma decisão da mais alta Corte de Justiça do País pode significar, entre outras coisas, uma supina ignorância do que sejam ordenamento jurídico, Poderes de Estado e instituições da democracia representativa. Como não se supõe que a Mesa Diretora do Senado seja tão ignorante assim, só pode ser entendida como um debochado desafio ao Judiciário a sua recusa a cumprir, sem tergiversações, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de cassar o mandato do senador Expedito Júnior (PSDB-RO) - por compra de votos e abuso do poder econômico - e dar posse ao segundo colocado nas eleições de 2006, Acir Marcos Gurgacz (PDT).

É claro que não passou pela cabeça de nenhum membro da Mesa Diretora, que mandou a comunicação do Supremo para exame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, que esse órgão técnico fosse revogar ou modificar uma palavra que fosse das sentenças do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF, que cassaram e ratificaram a cassação do mandato do senador Expedito Júnior. Ao aceitar o recurso do senador cassado, que pretende exercer seu "amplo direito de defesa" perante a CCJ - que nada tem a ver com a instância em que foi cassado o seu mandato -, a Mesa do Senado coonestou uma tosca tentativa de procrastinação do cumprimento da decisão do Supremo. Esse acintoso adiamento revela a falta de respeito pelo Poder Judiciário, de parte da Mesa Diretora de uma das Casas Legislativas federais, justamente a que preside o Congresso Nacional.

Inconformado com essa atitude, o senador Cristóvão Buarque (PDT-DF) lembrou que os membros da Mesa Diretora poderiam ser presos por desobediência a ordem judicial. A essa advertência, o presidente do Senado, José Sarney, respondeu com uma galhofa à altura do ato da Mesa: ninguém deveria levar-lhe cigarros na prisão, porque ele não fuma, mas gostaria que lá fossem consolá-lo...

O senador Expedito Junior havia sido cassado, em junho, pelo Tribunal Superior Eleitoral, que dera ganho de causa à ação proposta por seu adversário, segundo colocado no pleito de 2006. Na semana passada o STF confirmou a decisão do TSE. O ministro Celso de Mello, decano do Supremo, classificou como "insubordinação inconcebível no Estado de Direito" o fato de o senador ainda exercer o cargo. E aduziu: "Vem se tornando preocupante essa arbitrária resistência de órgãos do Estado - e eu aludo em particular a essa injustificável resistência por parte das Mesas das Casas que compõem o Congresso."

Já o ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo, reiterou a confiança de que os parlamentares respeitem o Estado de Direito. Disse ele: "Todos nós sabemos da clareza da decisão do STF e ela deve e há de ser cabalmente cumprida. Tenho a absoluta convicção de que os parlamentares, os senadores, estão imbuídos de um espírito altaneiro, de respeito ao Estado de Direito. Certamente vão dar cumprimento à decisão." Tal seria se não dessem! O problema, no entanto, é a injustificável demora em fazê-lo - o que, também, implica falta de respeito. Imagine-se se fosse usual acatar-se uma sentença judicial, mas só depois de transcorrido determinado tempo, seja para satisfazer a vontade de alguém, seja para deixar-se mais confortável a situação do condenado. Agindo assim, o grupo de senadores que dirige a Câmara Alta deu à sociedade brasileira um péssimo exemplo de desrespeito às instituições.

Participaram da reunião da Mesa Diretora, que acatou o recurso do senador já cassado pela Justiça, os senadores José Sarney, Heráclito Fortes (DEM-PI), Mão Santa (PSC-PI), Adelmir Santana (DEM-DF), César Borges (PR-BA), Cícer Lucena (PSDB-PB) e Serys Slhessarenko (PT-MG). Segundo Sarney - logo desmentido por César Borges -, só ele votou contra o recurso do senador cassado, tendo se abstido de votar a senadora Serys. É o caso de perguntar: depois de todo o desgaste sofrido pelo Senado com os escândalos recentes, a quem aproveitaria mais esse achincalhe? Não se brinca com instituições e não se debocha dos Poderes de Estado, a menos que se queira derrogá-los.