Título: Legislativo feriu Carta Magna, dizem especialistas
Autor: Colon, Leandro ; Pires, Carol
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/11/2009, Nacional, p. A8

Decisão afronta Judiciário e provoca crise institucional"

A Mesa Diretora do Senado não só descumpriu a Constituição ao agir como uma "5ª instância", recusando-se em executar decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que cassou o mandato do senador Expedito Júnior (PSDB-RO), mas também criou uma crise institucional que abre brechas para que o Executivo faça o mesmo em relação as questões de seu interesse. Os apontamentos são de especialistas em direito constitucional ouvidos pelo Estado.

"É uma decisão antirrepublicana, com aparência de ato de polícia e que exorbita a legalidade", resume o professor de direito constitucional na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Pedro Serrano.

Para ele, "somente o Judiciário tem a condição de interpretar de forma definitiva a Constituição". Serrano cita a Constituição: "O Senado está usurpando esse papel jurisdicional do Judiciário e desrespeitando o Estado de Direito republicano."

Segundo ele, do ponto de vista político, pode existir o conflito entre Poderes, mas do ponto de vista jurídico, o ato da Mesa do Senado é ilícito.

O diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais (Ibec), André Ramos Tavares, ressalta que uma decisão de cassação do Judiciário só pode ser suspensa judicialmente.

"Outro Poder não pode interferir no processo judicial. Vejo com muito temor esse tipo de atitude, porque ela pode levar a uma ideia de que, acima do Poder Judiciário e da suprema corte, as decisões finais são do Congresso quando o assunto for mandato, o que não é verdade", afirma o especialista.

5ª INSTÂNCIA

Tavares faz ainda um alerta. Se o Senado, de fato, reabrir o processo de cassação do senador para discutir questões de direito de defesa, estará agindo como uma "5ª instância". "Temos um juiz de primeira instância, existem os tribunais estaduais, depois há o STJ, depois tem o STF e, depois, o Congresso Nacional? Isso não pode", protesta o diretor do Ibec.

Os especialistas defendem que, se o Senado acatar a proposta de Expedito Júnior, que requereu o direito de ampla defesa nas instâncias internas, ele afrontará o Judiciário e o ato pode abrir precedentes para que o Executivo faça o mesmo.

"Se o Congresso se recusar a cumprir a decisão, o Executivo poderia fazer a mesma coisa, inclusive em relação às obras que são paralisadas. O Executivo poderia querer reavaliar uma ordem judicial apontando desvios e decidir manter as obras e os pagamentos", diz Tavares.

"O senadores e a Mesa não estão acima da lei, não estão acima da Constituição. Se o Supremo decidiu, eles têm que cumprir. Não existe hipótese de não cumprir uma decisão dessa", defende o presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-São Paulo, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral.

"É de fato uma crise institucional em que um Poder desrespeita o outro e que tem um efeito pedagógico péssimo, porque mostra que existem ainda castas de protegidos", diz Amaral.

CASSAÇÃO

Para o representante da OAB, os membros da Mesa Diretora do Senado desrespeitaram a Constituição e podem ser punido dentro da própria Casa em processos de quebra de decoro. "Um dos casos de perda de mandato é aqueles em que se viola o decoro parlamentar. O abuso de prerrogativa é um dos enquadramentos para que se configure a quebra do decoro", argumenta Amaral.

Para ele, dificilmente o STF apresentará um pedido de prisão contra parlamentares por conta do descumprimento de ordem judicial. Mas o desrespeito à ordem judicial pode ser encarado como um abuso de prerrogativa. Os especialistas ouvidos pelo Estado ressaltaram ainda que a cassação do mandato de um parlamentar não pode ser tratada como um caso de impeachment, onde o julgamento pode ser político.

"Temo que comecem a se questionar se é conveniente que o mandato do senador Expedito Júnior seja cassado neste momento. Essa pergunta não se faz. Não temos que saber se é conveniente ou não, é um julgamento técnico", diz o diretor do Ibec.