Título: Os fantasmas do Senado
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2009, Notas e informações, p. A3

O que dizer de uma instituição pública, que deveria representar os mais altos interesses da Federação, que não tem a menor noção de quantos são, quem são e o que fazem os seus funcionários, aliás remunerados regular e regiamente? E o que dizer quando esse inacreditável caos administrativo passa a ser uma espécie de marca registrada do Senado Federal?

Pois para saber quem lá está lotado e recebe salário ? já que trabalhar, no caso, não é uma atividade que preocupe a todos ? a administração do Senado promoveu um recadastramento. A relação dos funcionários que não responderam às questões contidas no formulário de recadastramento de pessoal do Senado confirma a certeza de que lá muitos servidores recebem salários sem trabalhar. Por exemplo, tiveram seus salários bloqueados pela Primeira Secretaria da Casa 88 servidores que nem ao menos preencheram o formulário ? e tiveram dois meses para fazê-lo. Outros 415 funcionários só preencheram parcialmente os dados ? pelo que têm uma semana para regularizar a situação.

Na edição de sexta-feira, o Estado colecionou alguns casos de servidores que são desconhecidos nos gabinetes onde deveriam, se não trabalhar, pelo menos dar expediente. Há o caso, por exemplo, do jovem capixaba Lincoln Pereira Uzai Silva, de 22 anos, lotado na liderança do PR há quatro anos. Ele ganhou o emprego do senador Magno Malta (PR-ES), mas ninguém o conhece em Brasília e muito menos no escritório político do senador, em Vitória. Já a funcionária Wanda de França Avelino, nomeada em 15 de março de 2007 para trabalhar no gabinete do senador João Vicente Claudino (PTB-PI), foi encontrada pela reportagem, na quinta-feira, em horário de expediente, trabalhando no restaurante de um shopping de Teresina. Por duas vezes procurada pelo jornal no escritório do senador, a resposta foi a mesma: ela não trabalha lá.

Seria hilariante ? se não fosse uma grave transgressão da lei e da ética que deveriam reger a vida pública ? a justificativa que costumam dar esses servidores públicos, que não fazem serviço público algum e são remunerados com recursos dos escorchados contribuintes. Invariavelmente, eles fazem "pesquisas políticas" para seus chefes parlamentares! É claro que os métodos utilizados em tais pesquisas obedecem apenas à criatividade e à disposição de cada qual.

Em setembro, a Mesa Diretora do Senado autorizou os líderes de partidos e os integrantes da própria Mesa a manter três funcionários "extras" em suas bases eleitorais ? sendo dois assessores técnicos e um secretário parlamentar, com salários de R$ 9,9 mil e R$ 7,6 mil. Tratava-se, é claro, de uma explícita maracutaia eleitoral. Mas, como se, de repente, descesse na Casa um lampejo irresistível de moralização, a Mesa voltou atrás. "Nós revogamos aquela questão dos cargos nos gabinetes para os integrantes da Mesa e para os líderes, já que não houve consenso entre eles", explicou o primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM - PI). Com esse recuo, a Mesa Diretora evitou que seus 11 integrantes e os 12 líderes partidários contassem com mais 69 auxiliares, bem pagos com dinheiro público, para ajudá-los na campanha eleitoral do próximo ano. Mas até que esses novos servidores não haveriam de pesar tanto no bolso dos contribuintes, uma vez que os gastos se diluiriam entre aqueles para sustentar 3.516 funcionários terceirizados, 3.800 comissionados e 3.400 efetivos, à disposição de suas excelências.

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) já apresentou ao presidente do Senado, José Sarney, o estudo de reforma administrativa da Casa que lhe fora encomendado. Sarney deu aos senadores 15 dias para examinar o projeto. Depois, o Conselho de Administração do Senado terá dez dias para analisar a proposta, antes de o texto ser submetido ao plenário. Destaca-se nesse projeto a proteção dos servidores comissionados ? a maioria empregada por indicação política. Qual será a reação de cada senador, caso encontre na proposta da FGV ideias ou mudanças que, de alguma forma, signifiquem o fim de certos, digamos, confortos e agrados a que suas excelências estão há tanto tempo acostumados?