Título: Censura demonstra seletividade da Justiça
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2009, Nacional, p. A13

Para advogado, atos como a mordaça ao "Estado" contribuem para má imagem do Judiciário

A censura ao Estado desde 31 de julho, por decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), reflete, para o advogado Ariel de Castro Alves, uma faceta do Poder Judiciário que, em sua visão, contribui muito para a má imagem dos setores jurídicos estatais na sociedade: a seletividade e a discriminação da Justiça, que age, muitas vezes, em função do poder econômico dos demandantes.

Membro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, o especialista considera o Judiciário o poder que menos se democratizou no Brasil, atrás do Executivo e do Legislativo. "A visão do cidadão comum, refletida em inúmeras pesquisas, é que o Judiciário é lento, muito burocratizado e protege as pessoas de influência, poder e dinheiro."

Para o advogado, é no Poder Judiciário que sobrevive boa parte do pensamento conservador e autoritário do País, o que ajuda a transformá-lo - de garantidor dos direitos constitucionais que deveria ser - em um ente temido pela população, na medida em que ela não consegue se ver representada na estrutura judicial. "Isso demonstra que a democracia ainda não se consolidou no Brasil e continuamos convivendo com muitos resquícios da ditadura", comentou.

Na avaliação do advogado, o segredo de Justiça - criado no Brasil para proteger acusados sem condenação da execração pública - tem sido usado para proteger pessoas poderosas do assédio da imprensa e dos órgãos de fiscalização. "Basta ver que ninguém estranha se um criminoso comum for "escrachado" nos programas populares da TV, mas se algum integrante da elite econômica passar por algo minimamente parecido, haverá uma gritaria imensa", comparou.

Até nisso, de acordo com Alves, a Justiça demonstra uma face contraditória."Um pedido de decretação de segredo de Justiça sairá muito mais rápido para alguém com poder econômico", analisa. "Ao que parece, a Justiça considera que pobres não têm moral ou nome a proteger, ao contrário dos ricos."

No caso específico do Estado, o especialista lembra que não havia nas reportagens publicadas acusações descabidas contra membros da família Sarney. "Eram só investigações em andamento do que se falava. Nas escutas da Polícia Federal, por outro lado, se tratava de pessoas públicas, falando sobre recursos públicos, o que desmonta a tese da defesa", explica.

O empresário Fernando Sarney, responsável pela mordaça, é filho do presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP). Fernando foi indiciado pela Polícia Federal sob acusação de tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Ele tratou ainda da distribuição de cargos no Senado para aliados.