Título: A autocrítica é por não ter mudado forma de contratar
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2009, Vida&, p. A27

Quem é: Fernando Haddad

É advogado, mestre em Economia e doutor em Filosofia pela USP, onde é professor

Foi chefe de gabinete de João Sayad na Prefeitura de São Paulo e assessor no Ministério do Planejamento

Foi secretário no MEC na estão Tarso Genro antes de se tornar ministro da Educação

O ministro Fernando Haddad acredita que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi vazado porque o consórcio contratado por R$ 116 milhões não trabalhou direito. Segundo ele, o preço pedido pelo Connasel para ganhar o negócio foi menor que o esperado, de cerca de R$ 150 milhões. "Onde você economiza? Em remuneração de fiscais, em segurança, em escolta armada. Tudo isso acarreta vulnerabilidade."

Em entrevista ao Estado, ele ainda diz achar "estranho" o fato de os responsáveis pelo furto da prova terem tentado vendê-la para jornalistas. Mas não fala diretamente em motivação política. Também nega que objetivos da mesma natureza o tenham levado a mudar o Enem em apenas seis meses.

O senhor temia que houvesse vazamento do Enem?

Não, porque as informações que eu recebia não davam ensejo a esse tipo de sentimento. Soube que o Inep apontava vulnerabilidades, e que isso era corrigido no processo, quando o Inep fazia visitas, fazia recomendações, instalar mais câmeras, por exemplo. Nunca chegou ao meu conhecimento a informação de que estava vulnerável. Uma questão que me inquietou é que a prova estava orçada em R$ 35 por aluno inscrito, o que é relativamente baixo. A previsão de investimento era da ordem de R$ 150 milhões para 4,1 milhões de inscritos. A proposta (do consórcio) foi de R$ 116 milhões. Você sabe que há custos incomprimíveis: papel, impressão, distribuição. Onde você economiza? Em remuneração de fiscais, em segurança, em escolta armada. Tudo isso acarreta vulnerabilidade. A taxa de inscrição de um vestibular como a Fuvest é um múltiplo desse valor.

Foi um erro tentar mudar o Enem em seis meses?

Não considero que esse episódio tenha qualquer relação com o número de questões da prova. O que mudou no Enem? O número de questões.

Mudou completamente o conceito da prova, ela foi valorizada porque passou a ser um processo seletivo.

Mas ela já vem sendo valorizado desde 2004. O maior impacto que o Enem sofreu foi quando ele passou a ser porta de entrada no ProUni. Uma bolsa de Medicina em uma Santa Casa vale R$ 300 mil. Uma pessoa de má-fé estaria disposta a pagar uma fração disso para obter uma bolsa de estudo. Felizmente não é o caso dos brasileiros que convivem com o ProUni há cinco anos.

A intenção de realizar o novo Enem já neste ano não deixou menos tempo para o processo?

Mas se isso for verdade, isso vale para o contrato de emergência que foi firmado (para a nova prova em dezembro) e nem assinado ainda está. Não funcionaria também.

Mas a prova não aconteceu ainda.

Marcamos a data da nova prova ouvindo os parceiros que já faziam o Enem e vão fazer agora. Se esse argumento vale, vale agora também. Não faço uma autocrítica sobre ter mudado o Enem, e sim de não ter mudado o modelo de contratação. Na minha opinião, está aí a razão para o adiamento. Essa é a maior lição para todos nós. Precisamos compreender o valor social que o Enem adquiriu desde 2004. É um alcance social enorme no sentido de democratização do acesso. Temos de cuidar do Enem de maneira diferenciada, para preservá-lo. Sempre que houver oportunidade para uma pessoa de má-fé se apropriar do Enem, ela o fará. Porque a prova tem valor.

Houve pressa por causa das eleições de 2010?

Nós temos no Brasil um ano eleitoral e um ano pré-eleitoral, então esse argumento pode ser usado sempre, você não escapa dessa acusação. Mas me parece irresponsável por tudo que nós conhecemos do Inep. É um órgão 100% profissionalizado, tem carreira, tem sede, presidido por um professor titular de Economia da Educação da USP, cargos de confiança preenchidos por profissionais de carreira. As pessoas que fazem o Enem são as mesmas há 13 anos e saudaram a mudança, participaram da decisão. É diminuir um pouco.

Acha que os responsáveis pelo furto deveriam ter sido presos?

Até onde sei, são réus primários. Conhecendo melhor a legislação penal relativa a esse tipo de crime, diria que valeria a pena uma pequena revisão. Porque o transtorno que uma pessoa dessa pode causar para milhões de brasileiros... Isso não pode ser tratado como um incidente qualquer. Uma pessoa que comete um delito desse no mínimo tem de saber que poderá responder de uma forma dura. Fiquei um pouco decepcionado com o tratamento que é dado para a questão.

O senhor acredita que houve motivação política no furto da prova?

Eu, como o presidente Lula, consideramos estranho uma pessoa que quisesse fazer dinheiro com a prova procurar a imprensa, seria a última decisão a tomar. É muito estranho.

A prova estava fácil?

Eu considerei a prova muito equilibrada. É a melhor prova do Enem.

O Enem do ano que vem terá provas diferentes como medida de segurança?

Sim, pensamos nisso. E temos de garantir um banco de itens (questões) realmente muito grande. Estudamos para médio prazo a sistemática de uso do computador, mas daqui cinco anos, pelo menos. Precisa ter 100 mil itens testados e muita segurança na ponta. É feito com data marcada, com número limitado de pessoas numa sala de segurança. Não é uma operação simples. Não é porque a prova não vai ser impressa que está segura. E são alguns bilhões de investimento. RENATA CAFARDO