Título: Atualmente as candidatas trazem outras inquietações
Autor: Mayrink, José Maria
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/11/2009, Vida&, p. A28

Doutora em Ciências Sociais, a estudiosa diz que as novas freiras trazem as marcas da sociedade de consumo

Entrevista Brenda Carranza: pesquisadora

Estudiosa da vida religiosa, a pesquisadora Brenda Carranza, doutora em Ciências Sociais e professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, atribui a crise de vocações a uma falta de capacidade das congregações tradicionais de responder às aspirações e preocupações das novas gerações. Em entrevista ao Estado, ela fala dos desafios que as freiras enfrentam, após a renovação do Concílio Vaticano II, encerrado em 1965.

A que se deve a queda do número de vocações nas últimas décadas?

O problema vocacional acompanha um processo social de declínio de todas as instituições religiosas. Elas perderam a capacidade de responder a todos os impasses éticos dos indivíduos contemporâneos. Seus discursos morais ficaram longe das preocupações das novas gerações, estruturadas em uma sociedade voltada para o consumo, o imediatismo, o sucesso pessoal e o hedonismo.

Quem quer ser freira atualmente?

Muitas das jovens que querem ser freiras, quando expressam sua motivação declaram que o desejam como opção de realização pessoal, de projeto de vida. Observando o perfil social das ingressantes, veremos que segue a tendência dos últimos 40 anos, ou seja, moças provenientes das classes populares, com experiência de trabalho como balconistas, babás e operárias e também estudantes.

Como as reformas do Concílio Ecumênico se refletiram nas vocações?

Após o Concílio, transformar a realidade por meio do engajamento com os menos favorecidos foi o motor que turbinou os movimentos sociais, deflagrando um espírito de época que impregnou muitas pessoas. Assim, entrar em uma congregação religiosa era um meio de realizar as utopias sociais, entendidas como subversão das estruturas temporais. A dinâmica interna das próprias instituições estava nessa direção.

As freiras que optaram pela inclusão no trabalho com os pobres e excluídos, após o Concílio, estariam voltando ao carisma tradicional de suas instituições?

Hoje fala-se muito em refundação, pois no pós Concílio o engajamento era quase natural. Para as novas gerações, isso não é tão natural, portanto, a tensão instalou-se no seio das congregações. A geração da opção pelos pobres está no comando e vê como suas utopias, apesar de uma vida de esforços, estão longe de se concretizarem. Pior, não conseguem fazer herdeiras de suas ideias. No horizonte das candidatas não está a bandeira da transformação do mundo - elas trazem outras inquietações. As jovens que ingressam chegam com outra percepção do que é ser feliz. São configuradas por um mundo digital, estão mais afinadas com os discursos de vida saudável, culto ao corpo, questões de gênero. Também trazem as marcas da cultura da violência. Porém, não significa que sejam mais críticas perante a realidade. Muito pelo contrário, são filhas da sociedade de consumo.