Título: Brecha na reforma de Sarney mantém folha do Senado em R$ 2,1 bilhões
Autor: Pires, Carol
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2009, Nacional, p. A6

A reforma administrativa do Senado inclui brechas jurídicas para compensar as perdas no bolso dos servidores de carreira, contrariando o discurso do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), de cortar despesas. Diante desse cenário, a reforma pode manter intacta a inchada folha de pagamento de R$ 2,1 bilhões, já que os funcionários de confiança também estão blindados pelas mudanças.

Uma das bandeiras divulgadas por Sarney é reduzir as chamadas "funções comissionadas", gratificações por exercício de cargo distribuídas pelo ex-diretor-geral Agaciel Maia nos últimos anos. Cerca de 3 mil servidores efetivos recebem esses bônus, que variam de R$ 1,3 mil a R$ 2,4 mil.

Os funcionários resistem a abrir mão do dinheiro. Alegam que o benefício está incorporado ao salário e exigem aumento em troca do corte desse recurso. Por isso, pressionaram a Fundação Getúlio Vargas - contratada por R$ 250 mil para elaborar a proposta - a construir uma solução política que permita a reivindicação pela manutenção das gratificações.

O texto da reforma proíbe, por exemplo, a redução de "remuneração" do servidor de carreira, que inclui vencimentos e as demais vantagens concedidas aos funcionários. Em cima de textos que tratam de outras carreiras e de jurisprudências de tribunais do trabalho sobre direito adquirido, encontrou-se uma solução que pode manter o atual cenário.

Segundo o artigo 416 da reforma, "na hipótese de redução de remuneração, a eventual diferença será paga a título de parcela complementar, de natureza provisória, que será gradativamente absorvida por ocasião do desenvolvimento no cargo ou na carreira por progressão ou promoção".

"ESPECIALIZAÇÃO"

Outra solução para compensar o corte nas gratificações é manter a possibilidade de regulamentar uma antiga reivindicação do sindicato dos funcionários e do grupo de Agaciel Maia. Chamado de "adicional de especialização", o benefício deveria ser dado apenas a quem se qualifica fora da Casa. Mas o texto permite que o servidor receba o extra, de até R$ 1,9 mil, se comprovar que adquiriu conhecimento em função de chefia do Senado.

Ainda pela nova proposta, as diretorias serão reduzidas de 38 para 7, mas as chefias vão se proliferar. Serão 258 chefes de serviço, 23 de departamento e, ao menos, 62 coordenadores.

A proposta beneficia também o braço direito de Sarney, o jornalista Fernando César Mesquita. Pelo texto, todos os cargos de direção devem ser ocupados por servidores de carreira. Mas abre exceção para o Mesquita, que dirige a Secretaria de Comunicação Social.

Ontem, o Estado revelou que o Ministério Público Federal abriu inquérito em 19 de outubro para apurar o pagamento de salários acima do teto constitucional desde 2005. A reforma prevê a manutenção de artifício, que não considera, por exemplo, a função comissionada no cálculo desse limite.

TEORIA E PRÁTICA

Funcionários de confiança

O texto impede redução imediata desses servidores, indicados pelos senadores. Em 2010, nada muda

Teto constitucional

Um artigo permite ao Senado pagar a seus funcionários salários acima do teto de R$ 25.575. A brecha é não computar a função comissionada

Nova gratificação

A reforma prevê a criação do "adicional de especialização". Na teoria, uma gratificação apenas para quem se qualificou fora do Senado. Na prática, permite ao servidor receber bônus por conhecimento adquirido no trabalho

Redução de remuneração

Sarney promete cortar gratificações dos servidores de carreira, mas um artigo impede a redução de salários. Se isso ocorrer, o funcionário vai receber compensação