Título: A censura é o ovo da serpente
Autor: Assunção, Moacir
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/11/2009, Nacional, p. A9

Presidente do IAB afirma que a mordaça é "ato abusivo", que viola a Constituição de 1998

O presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Henrique Maués, se diz "indignado" com a censura ao Estado, que já dura 96 dias. "É um ato abusivo e inconstitucional, que viola princípios básicos da Constituição democrática de 1988", afirma. "A censura, típica de períodos autoritários, foi jogada na lata de lixo da história."

O presidente do IAB - entidade de 166 anos, sediada no Rio - critica a proibição de o jornal publicar reportagens sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal. A mordaça foi determinada pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), por solicitação do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). A PF já indiciou o empresário por tráfico de influência, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e falsidade ideológica.

Na visão de Maués, a postura de Vieira, que é amigo da família Sarney, e de seus colegas do TJ-DF, que mantiveram a censura, suscita ainda mais reprovação. "O censor não é melhor ou pior se for um juiz ou um policial", declara. "Independentemente do cargo, não passa de um censor. E a censura é o ovo da serpente do autoritarismo."

Para ele, outro ponto negativo é que a censura pode criar uma espécie de jurisprudência negativa sobre o tema. "Qualquer autoridade pode alegar que, se vale para a pessoa em questão, por que não poderia valer para ela?", argumenta.

A censura tem se tornado comum em decisões judiciais de primeira instância, o que preocupa entidades ligadas à defesa da expressão e da opinião. Segundo a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), pelo menos 12 decisões impondo a mordaça a órgãos de comunicação foram registradas nos últimos dois anos.

De acordo com o especialista, a saída para a situação é uma só: "Temos de esmagar a cabeça dessa serpente, antes que ela se torne forte demais", defende, referindo-se à censura prévia.

INDENIZAÇÃO

Maués lembra que sempre existem meios para supostos ofendidos por reportagens buscarem reparações de eventuais danos sofridos.

"Basta entrar na Justiça pedindo indenizações, que a solicitação será estudada para confirmar se há sentido no que é pleiteado", afirma. "O que não pode é fazer a censura prévia. Esse tipo de postura atenta contra o direito que o cidadão tem de ser informado, ou seja, há um prejuízo para toda a sociedade."

Maués fez questão de dizer que o direito individual à privacidade não pode, se sobrepor ao direito de opinião e de expressão da coletividade, como no caso do Estado, em que toda a sociedade acabou punida."Nenhuma autoridade pode se arrogar o "direito" de ser a consciência crítica da sociedade. É o próprio leitor que vai filtrar o que lhe interessa."