Título: A autonomia do BC
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Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2009, Notas e informações, p. A3

Por iniciativa da oposição, tramita no Senado projeto de lei complementar que assegura "autonomia administrativa, econômica, financeira e técnica" ao Banco Central (BC) e fixa mandato de quatro anos para seus diretores, e o do presidente da instituição não será coincidente com o do presidente da República. Por causa da complexidade do tema - o projeto regulamenta o artigo 192 da Constituição, que trata da organização e funcionamento do sistema financeiro nacional -, os senadores querem tempo para analisar a proposta. É possível que, preocupada essencialmente com as eleições de 2010, a base governista tente retardar a sua discussão.

Mas o início da tramitação de um projeto com esse conteúdo é, por si só, um fato político importante, pois coloca em discussão no Congresso o papel dos órgãos do Estado sobre os quais o governo vem procurando aumentar seu controle - como as agências reguladoras, papel que, de certa forma, o Banco Central também exerce. A melhor resposta que o Congresso pode dar às tentativas cada vez mais frequentes do governo do PT de cercear a ação dos órgãos do Estado cuja atuação deve ser pautada pela autonomia é fortalecer a legislação que lhes assegura essa condição.

Na parte que trata especificamente das funções e da organização do Banco Central do Brasil, o projeto substitutivo elaborado pelo senador Antonio Carlos Magalhães Junior (DEM-BA) - que reuniu num único texto seis projetos que tratam de temas correlatos, que relata na Comissão de Constituição e Justiça do Senado - formaliza, na essência, aquilo que vem sendo garantido na prática pelo governo. No entanto, por não haver imposição legal para a autonomia do BC, o governo pode, a qualquer tempo e sem prévio aviso, influenciar as decisões da autoridade monetária e até mesmo forçá-la a modificar as decisões, sempre que isso for de sua conveniência política.

Quando o governo procura utilizar a política monetária para obter ganhos temporários no nível de emprego e no ritmo de atividade da economia, argumenta o senador baiano, eleva as expectativas da inflação, reduz a credibilidade do Banco Central e o força, no fim das contas, a elevar as taxas de juros, "para adequá-las às expectativas da inflação mais alta", o que aumenta as incertezas entre os investidores. "A formalização da autonomia - diz o senador - seria um avanço institucional que poderia ajudar a manter as expectativas de inflação a cada ano com menor sacrifício em termos de taxas de juros reais elevadas."

Pelo projeto, os diretores do BC serão nomeados pelo presidente da República, depois de aprovados pelo Senado em votação secreta, terão mandato de quatro anos, renováveis, e só perderão o cargo se pedirem demissão ou por iniciativa do presidente da República, em decisão que terá de ser submetida ao Senado e justificada por "circunstanciada exposição dos motivos".

Apesar de haver pressões para que a fiscalização do sistema financeiro seja retirada do Banco Central, para evitar excesso de poder, o senador baiano optou por mantê-la entre suas atribuições, por entender que "há complementaridade entre as funções de regulação da oferta de moeda e de supervisão e fiscalização do sistema".

O substitutivo de Magalhães trata de vários outros temas. Entre eles estão a transformação do Conselho Monetário Nacional (CMN) em Conselho Financeiro Nacional (CFN), que terá também a participação de dois representantes do Congresso, mas sem direito a voto; a definição das instituições financeiras e de seu papel; o sistema de garantias de depósitos e aplicações; os regimes especiais de intervenção, de administração especial temporária e de liquidação judicial em instituições financeiras com problemas de solvência; as tarifas bancárias; e as penalidades.

A discussão do projeto será iniciada nesta semana. O senador Francisco Dornelles (PP-RJ), da base governista, foi quem pediu o adiamento do debate, para dar tempo ao BC para se manifestar sobre o tema. "Se eles não mandarem uma resposta rapidamente, vou lavar as mãos. Retiro meu pedido de vista e voto como está", disse Dornelles ao jornal Valor.