Título: Ao contrário de expectativas, comunismo em Cuba resistiu
Autor: Anna, Lourival Sant
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/11/2009, Internacional, p. A12
"No próximo Natal, em Havana." A mensagem, repetida em adesivos espalhados por Miami, dá a medida de como a queda do Muro de Berlim foi recebida pelos exilados cubanos. Para eles, era questão de dias até que o regime de Fidel Castro fosse levado pelos ventos que sopravam da Europa Oriental.
O governo da Flórida criou a Comissão Cuba Livre para prognosticar os efeitos da abertura da ilha. A Fundação Nacional Cubano-Americana chegou a sugerir investimentos para suprir a demanda iminente por transporte para a ilha.
No início de 1990, os cubanos exilados apostavam se Fidel teria um fim à la Ceausescu, o ditador romeno fuzilado, ou similar ao do panamenho Manuel Noriega, deposto numa invasão dos EUA. A euforia aumentou com a derrota sandinista nas eleições nicaraguenses, realizadas à revelia de Fidel.
Em seus discursos, o líder cubano insistia que o socialismo tropical era sólido. "Não recuaremos nem para tomar impulso", dizia. Mudanças, porém, seriam inevitáveis. Com a queda da URSS, a ilha perdeu a ajuda anual de US$ 4,5 bilhões.
Por anos, o governo soviético havia enviado petróleo subsidiado e comprado açúcar acima do preço de mercado. A dependência da URSS era tanta que os dissidentes ironizavam que Cuba era o maior país do mundo: a ilha ficava no Caribe, o povo em Miami, o Exército na África - e o governo, em Moscou.
O remédio para o aperto econômico, batizado de "período especial em tempos de paz", equivalia a contingências de guerra. De 1989 a 1993 Cuba perdeu um terço de seu PIB. Tratores foram substituídos por carros de boi, alimentos desapareceram e os cortes de água, luz e gás tornaram-se frequentes, enquanto o governo tentava conseguir divisas atraindo turistas bem capitalistas.
DEMOCRACIAS
Mas no restante da América Latina, o fim da Guerra Fria foi bem menos dramático. A região vivia a um turbilhão de mudanças desde a queda dos regimes militares. As democracias se consolidavam e reformas liberais prometiam resolver os fantasmas dos anos 80: dívidas externas galopantes, Estados ineficientes e economias pouco dinâmicas. "O fim da ordem bipolar tirou a disputa ideológica do centro da agenda nas relações com os EUA e valorizou temas como livre comércio e o combate ao narcotráfico", disse Clodoaldo Bueno, historiador da Unesp.
"Cuba e alguns partidos comunistas obviamente sofreram com tal processo, mas ele não significou uma crise geral da esquerda da região porque há algum tempo já havia uma tradição crítica do regime soviético", afirmou Luís Fernando Ayerbe, autor de um livro sobre a Revolução Cubana.
Para Aldo Rebelo, deputado federal pelo PC do B, a queda do Muro de Berlim foi uma derrota, mas também abriu para a esquerda novas possibilidades. "A partir de então foi possível enfrentar os debates político e de ideias sem a camisa de força da Guerra Fria", disse.
Ironicamente, 20 anos depois, há na América Latina quem veja vantagem em recuperar essa "camisa de força". Hoje, um dos poucos lugares em que o socialismo está vivo é nos discursos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e aliados. "Havia muitas vertentes do marxismo na América Latina e muitas não viam a URSS como modelo", explica o cientista político venezuelano Carlos Romero. "Por isso, com a desilusão da população com as reformas liberais, foi possível para alguns líderes recuperar o discurso igualitário e anti-EUA." Para sorte de Cuba, agora é a vez da Venezuela dar alívio ao regime.