Título: Leste Europeu vive crise existencial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2009, Internacional, p. A14

Ex-presidente checo diz que reforma econômica[br]na região está levando mais tempo do que ele acreditava ser necessário

Entrevista Vaclav Havel: Líder da Revolução de Veludo

Como foi a sua reação à queda do Muro de Berlim e o que o sr. esperava do acontecimento?

Sabíamos que algo iria ocorrer. Antes mesmo da queda do Muro de Berlim, as pessoas começaram a perder o medo. Isso é o que levou alguns a pular os muros da Embaixada da Alemanha Ocidental em Praga, no início de novembro daquele ano. No dia 17, quando a polícia tentou oprimir os estudantes em Praga, sabíamos que era a primeira bola de neve de uma avalanche. Um pouco antes de todos esses acontecimentos, em 22 de outubro, eu tinha sido mais uma vez preso. Fui colocado em um carro e estava com dois agentes secretos. Um deles se virou para mim e perguntou de uma forma muito educada: "Sr. Havel, quando é que isso tudo vai explodir?" Esse era o ambiente naqueles dias. Fiquei fascinado quando vi tanta gente dentro da embaixada alemã em Praga. Nesses dias, senti que o muro estava caindo. Não apenas o muro físico, de Berlim, mas toda a Cortina de Ferro.

O sr. teria feito algo diferente?

Certamente erros foram cometidos. No entanto, conseguimos que nossa sociedade adotasse um caminho básico, o da democracia, do Estado de direito, dos direitos humanos e da economia de mercado. Mas isso ocorreu de forma lenta, com muitos obstáculos e situações inesperadas.

O sr. está satisfeito com a situação do Leste Europeu 20 anos depois?

O processo de reforma da sociedade está levando um tempo bem maior do que pensávamos que seria necessário para sair do modelo distorcido do comunismo.

Em 1989, os checos entraram para a história como um povo revolucionário. Hoje, o governo do país é responsável por emperrar negociações na União Europeia. Por que o sr. acha que isso está ocorrendo?

Os políticos que hoje governam o país amadureceram nos anos posteriores à repressão de 1968. Não quero entrar em detalhes, mas acredito que o que o governo de Vaclav Klaus está fazendo é irresponsável e perigoso. Vivemos um momento ruim. Isso afeta o nome dos checos em toda a Europa. Estamos em um momento de crise existencial causada pela busca do materialismo e pelo legado do comunismo que ainda existe.

Há pesquisas de opinião que mostram que muitos cidadãos do Leste Europeu têm nostalgia dos tempos do comunismo. Como o sr. explica isso?

Acho que é normal. Sentem a nostalgia das certezas da vida, que hoje não existem.

Por que a revolução na Romênia foi sangrenta e a checa não?

Os países têm tradições diferentes. Acho que os checos e eslovacos gostam de solucionar as coisas não no campo de batalha, mas em uma mesa de bar.

Obama modificou seu plano de defesa no Leste Europeu como um sinal de aproximação do Kremlin. O sr. ainda assinou uma declaração com outros intelectuais sobre o ressurgimento do imperialismo russo. Qual a sua avaliação sobre o papel dos EUA hoje na região?

Os americanos estão cientes da importância da região, mas a Rússia não pode ser tratada como uma pessoa deficiente.