Título: Terapia gênica barra doença degenerativa
Autor: Toledo, Karina
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/11/2009, Vida&, p. A18

Técnica usa vírus derivado do HIV para alterar DNA

Um tratamento desenvolvido na França conseguiu interromper a evolução da doença degenerativa adrenoleucodistrofia (ALD) em duas crianças. O filme O Óleo de Lorenzo tornou conhecido o drama dos pais com filhos que sofrem da doença.

A ALD afeta 1 em cada 18 mil pessoas. O defeito genético costuma ser herdado da mãe, mas a doença manifesta-se principalmente nos garotos. Leva a um processo de neurodegeneração que começa com quadros de déficit de atenção e evolui para cegueira, surdez, paraplegia, incapacidade de engolir e se comunicar (mais informações nesta página).

A revista Science publica um artigo que descreve a nova proposta de tratamento. O grupo responsável pela técnica sempre se mostrou cético quanto à eficácia do óleo descoberto por Augusto Odone para tratar seu filho Lorenzo.

O professor de pediatria da Universidade Paris-Descartes, Patrick Aubourg, um dos principais autores do estudo divulgado hoje, investiu de modo pioneiro em outra abordagem de tratamento: o transplante de medula óssea.

Mas a estratégia sempre esbarrou no problema mais comum em qualquer transplante: a descoberta de doadores compatíveis em tempo hábil, pois a cirurgia só é eficaz quando realizada bem no início da doença.

Além disso, o transplante de medula ainda está associado a riscos relativamente altos relacionados à forma como o tecido enxertado reconhecerá o organismo receptor.

A técnica descrita na Science revela um possível caminho para resolver o problema de disponibilidade de medulas e, ao mesmo tempo, diminuir os riscos do transplante.

Os pesquisadores extraíram amostras de medulas de duas crianças, utilizaram vírus geneticamente modificados para corrigir o defeito que causa a doença e enxertaram novamente as células corrigidas na medula dos garotos.

Depois de dois anos de acompanhamento, os resultados foram comparáveis aos obtidos com transplante de medula. Apesar de não se chegar à cura, houve ganho na capacidade cognitiva e o progresso da doença sofreu interrupção.

Os vírus usados na pesquisa para realizar a correção genética são versões alteradas e inativas do HIV.

"É a primeira vez que conseguimos usar com sucesso os lentivírus derivados do HIV para terapia gênica em humanos", afirma Aubourg. "É também a primeira vez que conseguimos tratar com eficácia uma doença neurológica grave com o uso de terapia gênica."

REPERCUSSÃO

Fernando Kok, livre-docente de neurologia infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), afirma que o estudo dá novo fôlego às pesquisas em terapia gênica. "Comprova a segurança, pelo menos a curto prazo, da técnica", aponta Kok.

A geneticista Ana Maria Martins, diretora do Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo (Creim) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), também comemora o resultado do estudo.

Mas os dois pesquisadores brasileiros consideram importante sublinhar que será necessário realizar testes com um acompanhamento mais longo para garantir que o método é eficaz e seguro.