Título: Obra de banheiro de 3 metros quadrados se arrasta há 4 anos
Autor: Rangel, Rodrigo
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2009, Nacional, p. A6

Em quase todas as casas de Vila Esperança, só foram erguidas as paredes de lajota

Na Vila Esperança, povoado de 200 habitantes situado no município de Brejo Santo, na região do Cariri cearense, Argentina Matias Franco, 84 anos, espera pacientemente para ver concluída a obra do pequeno banheiro que a prefeitura começou a construir há quatro anos em seu quintal, com dinheiro da Funasa, e nunca terminou. Por ali, como em outros rincões do País, as casas são erguidas sem um vaso sanitário sequer. É preciso que a mão do poder público promova as condições mínimas de higiene.

No caso da Vila Esperança, o dinheiro para a construção dos banheiros foi repassado ao município, mas o paradeiro de boa parte dele é um mistério. Dona Argentina nem imagina a quem recorrer para descobrir quando vão concluir a obra.

"Um dia eles voltam", diz, confiante. Ela não sabe que o serviço que começou e não terminou, nos fundos de sua casa, é a ponta de um problema que virou caso de polícia.

CUBÍCULO

O convênio número 572 foi firmado em 2005 pela Funasa com a Prefeitura de Brejo Santo. O valor: R$ 485.965. Destinava-se a "melhorias sanitárias domiciliares" no município e previa a construção de 276 módulos sanitários do tipo 11 - que inclui privada, tanque de lavar roupa e fossa séptica.

Trata-se, na prática, de um cubículo de 3 metros quadrados erguido nos fundos das casas para substituir os "banheiros naturais" que os moradores estão acostumados a usar - cercadinhos de palha montados nos quintais escondem o buraco no chão que serve de sanitário.

Em quase todas as casas da Vila Esperança, os banheiros começaram a ser construídos. Só foram iniciados. Na maioria dos quintais, ficaram apenas as paredes de lajota aparente. Na casa do agricultor Aguimarães Nascimento, 33, de tanto tempo que a obra ficou parada, sem utilidade, ele resolveu improvisar: fez um fogão de lenha dentro do cubículo e o transformou numa cozinha. "Enquanto isso, a gente continua fazendo as necessidades no quintal e tomando banho de balde", diz ele.

MAMOEIRO

Na casa ao lado, uma situação curiosa: os pedreiros contratados pela prefeitura e pela Funasa ergueram as paredes do banheiro junto à cozinha. A porta do sanitário seria aberta depois, voltada para a parte interna da casa. Como a obra não prosseguiu, ficou um quadradinho sem janela e sem porta e, bem no meio dele, cresceu um viçoso mamoeiro. "Ficou esse negócio aí, que não serve pra nada", diz a moradora da casa, Cícera Raimunda Lima, 20. "Vai ver que vão voltar só na próxima eleição..."

Poucos moradores sabem, mas o material que falta para a conclusão das obras chegou a ser comprado e foi abandonado num cômodo da casa de José Inácio Souza, conhecido como Zé de Mitonho, 59, funcionário da prefeitura que, como prêmio por ter cedido o lugar, conseguiu que os pedreiros ao menos assentassem o vaso e cavassem a fossa no banheiro de sua casa.

Em visita a Brejo Santo, auditores da CGU incluíram a obra dos banheiros no rol de irregularidades. Eles detectaram fraude na licitação e pagamentos antecipados à empreiteira contratada. Mesmo assim, para quem observa de Brasília, tudo parece perfeito: nos sistemas oficiais do governo, o convênio figura como regular.