Título: Transição deixa legado de miséria no Leste
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2009, Internacional, p. A18

Prostituição e tráfico de crianças crescem mesmo com adesão à UE

No centro de Bucareste, lojas de luxo, restaurantes sofisticados, galerias de arte e carros novos dão a impressão de que a transição do regime comunista para a democracia liberal ocorreu sem problemas e todos, no fim, saíram ganhando. A aparente normalidade, porém, esconde um verdadeiro submundo de indigência, prostituição e pobreza.

Crianças tentam se aquecer no ar que sai de tubulações da capital. Pela manhã, elas acordam com mordidas de ratos e saem em busca de trocados. Algumas, segundo a ONU, são sequestradas e vendidas. Isso em um país que, desde 2007, faz parte da União Europeia (UE).

Nas capitais do Leste Europeu, as cicatrizes das guerras e ditaduras estão perpetuadas numa camada da população que não conseguiu se adaptar à transição. Passados 20 anos da queda do Muro de Berlim e cinco anos após a primeira adesão de um país do Leste Europeu à UE, os dados ainda apontam que o fosso entre as duas Europas é profundo.

Crianças de rua, desabrigados, mães solteiras vítimas de estupros vagando por becos, fome e criminalidade fazem parte do desafio de governos que ainda precisam explicar às suas populações que a economia de mercado pode dar resultados positivos.

Segundo o Centro Internacional para Crianças Perdidas e Exploradas, 100 mil crianças e jovens vivem nas ruas dos países do Leste Europeu, incluindo não apenas os países que aderiram à UE, mas também Ucrânia, Armênia e outros.

A Cruz Vermelha diz que a recessão atual ajudou a aprofundar a situação de pobreza das famílias mais vulneráveis. Muitos perderem o trabalho e países como Hungria e Romênia não contam com sistemas de ajuda social capazes de evitar a miséria.

Nos anos que se seguiram à queda dos regimes comunistas, foram descobertas 5 mil crianças de rua em Bucareste. Hoje, são cerca de mil. A ONU diz que os problemas continuam. Uma das principais críticas está relacionada ao aumento de crianças que desaparecem, "inclusive de instituições de proteção à infância".

Para a ONU, a suspeita é de que muitas são vítimas de traficantes e acabam trabalhando em situação de escravidão na Itália e na Espanha. Em 2003, cerca de 230 crianças desapareceram apenas na Romênia. Em 2005, esse número aumentou para 750.