Título: Crise financeira retarda reintegração
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/11/2009, Internacional, p. A18

Depois de sofrer com comunismo e economia fechada, países do[br]Leste enfrentam os efeitos da pior crise do capitalismo em 70 anos

Eles conquistaram a democracia, entraram para a União Europeia (UE) e aderiram à Otan. Alguns usam o euro e o McDonald"s já está até fora de moda. Vinte anos após a queda dos regimes autoritários no Leste Europeu, a região é hoje uma terra de liberdades.

Mas o que seria um ano de festa foi estragado pela crise econômica e a agitação social. A recessão internacional mergulhou os países do Leste Europeu em seu pior momento desde a queda dos regimes comunistas. O resultado é a frustração geral, apatia eleitoral e uma onda de greves. "Nem tudo ocorreu como esperávamos, temos de reconhecer. Hoje estamos divididos internamente", confessou ao Estado o polonês Jerzy Borowczak, um dos líderes históricos do Solidariedade, sindicato que desafiou o regime comunista. "Antes de 1989, víamos o Ocidente como a terra prometida. Descobrimos que não era bem assim. Precisamos de mais 30 anos para apagar os danos causados pela ditadura e de fato fazer parte da UE. A Europa hoje se reconciliou politicamente, mas sua sociedade está dividida", disse.

Parte da explicação para o desencanto é mesmo a recessão, que causará, segundo o Banco Mundial, uma queda de 4,6% no PIB da região em 2009. Os países do Leste Europeu deram-se conta de que a simples existência das liberdades econômicas não é garantia de prosperidade.

Mas a recessão apenas acelerou problemas que já existiam. Parte da frustração vem da constatação de que as reformas que começaram em 1989 ainda não foram concluídas - e a situação não melhorou muito para a população mais pobre. As disparidades entre o Leste e a Europa Ocidental ainda são profundas e a reunificação do continente, depois de décadas de separação, não passa de um sonho para milhões de pessoas.

É verdade que a abertura de fronteiras fez com que o setor de autopeças da Romênia se tornasse fundamental para a indústria automotiva alemã, por exemplo. Mas as taxas de mortalidade infantil romenas ainda são de 17 por 1.000, 4 vezes o índice da França.

Além disso, as instituições democráticas ainda são instáveis. "Adotamos modelos europeus de instituições políticas. Mas sem o conteúdo europeu. Temos leis e instituições, mas em muitos casos elas são só formalidades", afirma Horia Terpe, diretor executivo do Centro de Análise de Desenvolvimento Institucional (Cadi) na Romênia. "Na prática, milhares de pessoas ainda não têm acesso à Justiça."

EXTREMISMO

Outro problema é que movimentos extremistas, principalmente de direita, também estão ganhando força. Na Hungria, o partido de ultradireita Jobbik tomou as ruas do centro de Budapeste há duas semanas e praticamente estragou a comemoração dos 20 anos da democracia no país. Seu lema: reconquistar territórios onde ainda vivem húngaros na Romênia ou na Eslováquia.

Vítimas das fronteiras por décadas, hoje os cidadãos dos países do Leste Europeu são os menos propensos a aceitar a diversidade étnica e religiosa. Praga deu uma demonstração, até a semana passada, de resistência ao projeto de uma Constituição da UE.

Na base desse extremismo está o descontentamento da população do Leste Europeu por não ter recebido o que lhe foi prometido. Uma pesquisa divulgada nesta semana pelo instituto Pew Research Center indica que a população em geral é mais feliz do que antes de 1989. Mas esperava mais resultados da democracia, do capitalismo e da economia de mercado.

A recente crise econômica agrava ainda mais esse quadro. Na Hungria, na Ucrânia e na Lituânia - onde a recessão é maior - as resistências ao sistema capitalista são maiores. Em 1991, 80% dos húngaros diziam apoiar o capitalismo. Hoje, são 46%. Mais de 70% dos húngaros afirmam que sua situação econômica era melhor em 1989.

DECEPÇÃO

Em Bucareste, Emil vive em um quarto de 6 metros quadrados com seu irmão, três crianças e sua mulher. Vinte anos após a queda de Nicolae Ceausescu, ele se queixa: "Eu fiz o que me disseram para fazer: votei e minha vida não melhorou. Onde está a UE que todos diziam que mudaria nossas vidas", afirmou.

A pior situação vive a região do Báltico, onde o cenário não é muito distante da Grande Depressão dos EUA nos anos 30. Entre 2008 e 2010, 25% do PIB da Lituânia pode desaparecer. A economia da Hungria, que recebeu US$ 25,1 bilhões do FMI, deve sofrer uma contração de 6,5% de seu PIB neste ano. Na República Checa, a queda deve ser de 4,8%.

Na Polônia, único país da região que escapou da recessão, as pesquisas mostram uma população mais otimista em relação à democracia e ao capitalismo. Mas ainda há problemas.

O déficit público explodiu e a adoção do euro, prevista para 2011, será adiada em pelo menos dois anos. Para tentar arrecadar US$ 10 bilhões, o governo de direita da Polônia anunciou que vai acelerar a privatização. A decisão revoltou os sindicatos.