Título: Quem paga tanta generosidade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2009, Notas e informações, p. A3
Não há muito o que contestar no argumento utilizado pelo governo Lula para justificar sua política de aumentos de vencimentos de funcionários de diferentes carreiras da administração pública. Um país moderno, eficiente e capaz de assegurar presença destacada no cenário internacional precisa contar com quadros qualificados, como diz a secretária em exercício de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Maria do Socorro Mendes Gomes. E isso custa dinheiro ? do contribuinte.
No entanto, o que a sociedade vem pagando para sustentar a folha de pessoal cada vez mais onerosa do governo federal não tem resultado em melhora da qualidade dos serviços públicos. Tem resultado, isto sim, na melhora da vida de um grupo de brasileiros que não precisa temer a demissão, pois goza de estabilidade, nem precisa se preocupar com a renda futura, pois terá aposentadoria tranquila. É esse grupo que, com a aproximação da eleição, vem merecendo atenção cada vez mais generosa do governo do PT.
A reportagem publicada pelo jornal Valor na segunda-feira sobre a remuneração média do funcionalismo federal, comparando-a com a dos empregados do setor privado, não deixa dúvidas: ganha-se muito mais no governo federal do que na empresa particular. É a enorme diferença em favor do funcionalismo que explica o índice, observado em concursos para determinados cargos, de quase 400 candidatos por vaga.
A situação privilegiada dos funcionários da União não surgiu no governo Lula. Em 1993, por exemplo, quando estava prestes a começar o governo FHC, a média dos salários do funcionalismo federal era 51,4% maior do que a dos empregados das empresas particulares. Em 2002, último ano do governo FHC, a diferença tinha subido para 78,9%. No ano passado, o sexto da gestão do PT, chegou a 101,3%. Em 2009, a diferença deve ser ainda maior e certamente continuará a crescer daqui para a frente, em razão dos benefícios concedidos a partir de 2003.
A folha de pessoal da União vem aumentando seguidamente desde 2004, por conta de generosas correções dos vencimentos do funcionalismo, com índices superiores aos da inflação, da contratação desenfreada de servidores e dos ajustes específicos para diferentes carreiras do funcionalismo. Os aumentos diferenciados, incluídos os concedidos aos militares, resultarão no crescimento de R$ 40 bilhões nos gastos com pessoal até 2012.
Nos sete anos do governo Lula, o Executivo contratou liquidamente 57,1 mil funcionários. Mais 14,4 mil poderão ser contratados no ano que vem, de acordo com leis já aprovadas pelo Congresso e sancionadas pelo presidente. A proposta de Orçamento da União para 2010 cria mais 77,7 mil cargos federais, dos quais 56,8 mil poderão ser preenchidos no próximo ano, embora não esteja claro de onde virá o dinheiro para essas contratações.
Trata-se, no caso dos aumentos salariais para algumas carreiras, de "investimento na inteligência operacional e estratégica do Estado", procurou justificar a secretária Maria do Socorro Mendes Gomes, em entrevista ao Valor. Não há, porém, nenhuma comprovação de que à melhora dos salários do funcionalismo ? mesmo em época de crise, como a que o País enfrentou até há pouco e ainda provoca a redução da arrecadação tributária e forçou as empresas particulares a adotar drásticas medidas de contenção de gastos, inclusive com pessoal ? venha correspondendo uma melhora na qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Em defesa de sua política de pessoal, o governo anuncia o estabelecimento de um sistema de avaliação do desempenho dos servidores federais. Mesmo, porém, que coloque em prática o esquema de avaliação, seus resultados, em termos de qualidade do serviço, serão muito limitados. Nas principais carreiras beneficiadas com grandes aumentos no governo Lula, foi reduzida a diferença entre o salário de admissão, que subiu muito, e o de fim de carreira. Se, por mau desempenho, não receber nota boa na avaliação, o funcionário não terá muito a perder. E, mesmo que receba nota péssima, não tem por que se preocupar. Não pode ser demitido e já ganha muito mais do que ganharia na mesma função na iniciativa privada. Melhorar o desempenho, então, para quê?