Título: Emenda reabre brecha para criação indiscriminada de municípios
Autor: Lopes, Eugênia ; Pires, Carol
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/11/2009, Nacional, p. A4

Proposta que devolve aos Estados prerrogativa de decidir questão está pronta para ser votada na CCJ do Senado Mesmo com quase 1.400 cidades extraindo metade de suas receitas dos cofres do Tesouro, via transferência do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), está pronta para ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado uma emenda constitucional que volta a facilitar a criação de municípios.

Na pauta de amanhã da CCJ, a proposta devolve aos Estados a prerrogativa para criar, incorporar, fundir e desmembrar municípios. A emenda altera a Constituição, que, desde 1996, estabelece que a concepção de novas cidades depende de lei complementar federal, e não apenas de lei estadual.

"É preciso estabelecer determinados critérios para não virar novamente uma farra na criação de municípios. Não podemos deixar criar cidades que dependam exclusivamente do Fundo de Participação dos Municípios", argumenta o presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO).

"Há um sentimento de que para criar municípios não pode ser como antes, sem regra. O fato é que devemos observar parâmetros como população, dimensão do espaço ocupado, capacidade de sustentação econômica", concordou o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski. Mas observou: "O Brasil é um continente, então a regra não pode ser oito ou oitenta. No Norte tem distrito a mil quilômetros de distância do município-mãe, é melhor sustentá-lo a essa distância ou emancipá-lo? No Rio Grande do Sul, em contrapartida, tem uma BR que divide dois municípios diferentes, que poderiam ser unidos."

Segundo pesquisa feita em 2008 pela CNM, 11 Estados têm processos em aberto, totalizando 418 distritos que pretendem se emancipar legalmente - esse número não corresponde ao total porque alguns têm a intenção de se unir para formar um único município. De 26 Estados, 15 não possuem processo com pedido de emancipação nas Assembleias Legislativas.

Os processos foram retirados depois que o Congresso aprovou, em 1996, mudança na Constituição encerrando uma fase em que centenas de municípios foram "inventados". A Constituição passou a impor necessidade de lei complementar federal, com o estabelecimento de parâmetros para concepção de novas cidades pelos Estados. Essa lei, embora em tramitação no Congresso, está parada na Câmara desde dezembro de 2008.

No fim do ano passado, o Congresso aprovou emenda à Constituição que regularizou a situação de 62 municípios criados "irregularmente" entre setembro de 1996 e 31 de dezembro de 2006.

Em setembro de 1996 foi promulgada emenda que retirou dos Estados a autonomia de criar municípios. Mesmo assim 57 novas cidades foram concebidas até 2000. Até o fim de 2006, foram mais cinco municípios. Em maio de 2007, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo de 18 meses ao Congresso para sancionar lei que regulamentasse a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios.

A Constituição de 1988 deu poder para os Estados disciplinarem a criação de municípios. Entre 1988 e 1996, foram instalados 1.388 municípios, alguns sem condições financeiras de funcionamento.

Agora os parlamentares querem restabelecer a prerrogativa de Estados criarem municípios. A emenda foi apresentada, em 2003, pelo senador Sérgio Zambiase (PTB-RS) e já foi para votação, em primeiro turno, no plenário do Senado. Mas em dezembro de 2007, a pedido da senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), voltou para a análise da CCJ. "É preciso dotar a emenda constitucional de mecanismos mais eficazes no combate à criação desnecessária de municípios, criando cidades débeis financeiramente, o que trará prejuízos inestimáveis à população", alegou a senadora na época.

Em seu parecer, o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) estabeleceu critérios mais rígidos. O tucano aumenta a população mínima requerida de 3 mil para 5 mil no Norte e no Centro-Oeste e de 4 mil para 6 mil nas demais regiões do País.

Azeredo também propõe o aumento da área mínima de 100 para 200 quilômetros quadrados, se o município a ser emancipado estiver situado no Norte e no Centro-Oeste. Ele estabelece ainda que, nos municípios com até oito anos de emancipação, independentemente do número de habitantes, o salário máximo dos vereadores corresponderá, durante esse período, a 2% do subsídio dos deputados estaduais.

"Ficou patente a necessidade de desobrigar a administração municipal emancipada dos encargos resultantes da Câmara de Vereadores", justificou o tucano, em seu relatório.