Título: O Irã é um problema do mundo, não apenas de Israel
Autor: Kresch, Daniela
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2009, Interrnacional, p. A20

Em visita para aprofundar relações com Brasil, líder diz que convidará o presidente Lula para conhecer Israel

O presidente israelense, Shimon Peres, de 86 anos, chega ao Brasil na terça-feira em uma viagem que busca "aprofundar as relações" com o País. A primeira visita de um presidente de Israel ao Brasil em mais de 40 anos ocorre duas semanas antes da chegada ao País do arqui-inimigo dos israelenses, o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. Em entrevista ao Estado, Peres diz que não pretende discutir o tema iraniano durante a visita, mas não se esquivou de perguntas sobre Ahmadinejad e seu programa nuclear.

O que o sr. espera dessa visita?

O primeiro objetivo é aprender. O segundo, avaliar se podemos melhorar e aprofundar os laços. O Brasil tornou-se o primeiro país do mundo a privilegiar o desenvolvimento social em vez do econômico. Há também a enorme tolerância do povo brasileiro. E há um terceiro fator: fala-se apenas de países como Índia e China, mas a ascensão brasileira é ainda mais impressionante.

Duas semanas após sua visita, o Brasil receberá o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad. O que o sr. acha dessa aproximação?

Não pretendo discutir esse tema. O foco da visita é Brasil e Israel, não outros países. Sobre o presidente do Irã, todos sabem quem ele é, quais suas posições e como elas são recebidas pelo mundo civilizado.

O sr. se preocupa com a penetração do Irã na América Latina?

Existe uma intervenção iraniana na América Latina e a Argentina é prova disso. A comunidade judaica foi atacada num atentado que matou centenas de pessoas. O mundo já entendeu quais são as pretensões do Irã. O enriquecimento de urânio, o desprezo por determinações internacionais. Mas os problemas do Irã não vão durar mais do que seu próprio presidente. Não vejo um grande futuro para esse governo, basta ver o que se passa nas ruas de Teerã.

Se a diplomacia falhar, um ataque às instalações do Irã é uma opção?

O Irã é um problema do mundo, não apenas de Israel. Não colocaria uma ação militar no topo das opções. Temos de fazer o possível para encontrar uma solução pacífica.

Como o sr. define as relações entre Israel e a América Latina?

Enfrentamos altos e baixos. Mas a própria realidade da América Latina tem seus altos e baixos. A região conseguiu se libertar das ditaduras militares e esforça-se para alcançar também uma democracia econômica.

O presidente Lula já esteve em diversos países do Oriente Médio, mas não em Israel. O que o sr. acha disso?

Espero que ele encontre disponibilidade e interesse. Mas, como se diz , "se Maomé não vai à montanha"... (risos). Ele tem sua maneira própria de priorizar. Mas vou convidá-lo a visitar Israel.

Quanto ao chamado Relatório Goldstone (o relatório da ONU que acusa Israel de crimes de guerra no conflito contra o Hamas, terminado em janeiro), Israel está fazendo uma investigação interna?

Houve centenas de acusações e cada uma delas está sendo investigada. Infelizmente, em toda guerra, inocentes são atingidos. Os europeus nos acusam, mas em Kosovo centenas de inocentes foram mortos. Alguém investigou? O único crime de Israel é não ter maioria na ONU. Há uma maioria automática contra Israel. Dos 20 temas debatidos até hoje pelo Conselho de Direitos Humanos, 10 eram sobre Israel! E quem são nossos juízes? Iranianos, afegãos, líbios?

Israel retirou-se da Faixa de Gaza. E quanto à Cisjordânia? Pretende continuar ocupando?

Não. A diferença entre nós e os palestinos nas negociações de paz é algo em torno de 3% ou 4% do território. Eu digo: meu Deus, vamos tentar negociar, vamos fechar essa diferença! Queremos, porém, ter certeza de que não vai se repetir lá o que ocorreu em Gaza. Nós saímos e eles (os integrantes do grupo radical Hamas) começaram a atirar. A maior parte do mundo não entende como Israel está disposto a negociar a paz, mas, ao mesmo tempo, não aceita congelar a construção de assentamentos. É difícil remendar essa situação depois de 40 anos.

O que o sr. achou do anúncio do presidente palestino, Mahmoud Abbas, de que não vai concorrer à reeleição?

Tive uma longa conversa com Abbas um dia antes do anúncio da decisão. Sem dúvida, ele é hoje o único representante do campo pacifista palestino. Eu o admiro como líder, pela coragem e determinação de levar a paz ao povo palestino.

Mesmo assim, o sr. acredita que testemunhará a paz na região?

Tenho 100% de certeza disso. Não acredito que, porque sou mais velho, não posso ter esperanças ou crenças.