Título: Fomos os primeiros a derrubar o Muro, diz Walesa
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/11/2009, Internacional, p. A22

Líder sindical polonês, que comandou o Solidariedade, admite ter fracassado como político

Em uma manhã de 1980, um eletricista começou a convocar os trabalhadores para uma greve, apesar de estar desempregado há quatro anos. Ele sentia que era seu dever lutar contra o regime. Era Lech Walesa, Prêmio Nobel da Paz de 1983, que chegou a ser presidente da Polônia. Hoje, provavelmente Walesa não ganharia eleição para nenhum posto político diante da rejeição que existe contra ele por não ter conseguido cumprir suas promessas. Mas ele faz parte da História.

Walesa, que é nome de aeroporto, rua e escolas em Gdansk, diz ter sido o primeiro a enfrentar o regime soviético no processo que levaria à queda do Muro de Berlim em 1989. O título, porém, é controvertido. "Os poloneses foram os primeiros a derrubar o muro, ainda em 1980. Mas sem o que fizemos em Gdansk, o regime soviético jamais teria caído", disse, em entrevista ao Estado.

Depois de promover a greve de 1980, Walesa conseguiu que o regime aceitasse a existência do Solidariedade como o primeiro sindicato independente do Leste Europeu. Mas eleições livres tiveram de esperar até 1989, seis meses antes da queda do Muro de Berlim.

Não está garantido que Walesa derrubará, no dia 9, a primeira das 1.000 peças de dominós enfileiradas pelos alemães no local onde estava o Muro, em comemoração aos 20 anos de sua queda. Mikhail Gorbachev, ex-presidente soviético e também Prêmio Nobel de 1990 é um forte concorrente. Foi ele quem implementou as políticas de abertura na União Soviética. Curiosamente, ele também é rejeitado como político na Rússia hoje, acusado de ter desmontado um império.

Outro candidato seria o ex-primeiro-ministro húngaro Miklos Nemeth. Ele foi o primeiro a anunciar em 1989, num encontro com Gorbachev, que começaria a desligar o sistema de alarme que garantia a barreira entre a Hungria e a Áustria.

Numa entrevista à rede britânica BBC há poucos dias, Nemeth disse que não pediu permissão de Moscou. Mas negociou de forma secreta com a Alemanha Ocidental, alertando que a fronteira seria aberta. Em troca, ganhou a ajuda da Alemanha para renegociar dívidas com bancos ocidentais.

Walesa ressente-se do fato de o Ocidente não ter ido em socorro dos poloneses e do Leste Europeu. "O mundo não deu bola quando fomos invadidos pelos nazistas", disse. "Depois, pedimos ajuda para derrotar o comunismo. Mas todos nos diziam que era impossível. Alguns disseram que só uma bomba atômica tiraria os comunistas do poder."

"Chegamos a pensar que não haveria mais solução. Mas aí um polonês foi eleito para papa, João Paulo II. Nesse momento deixamos de ter medo", contou.

Aos 66 anos, Walesa insiste que não há nada garantido em termos de segurança em relação à fronteira leste da Europa, em uma insinuação de que o imperialismo russo não está morto.

O ex-presidente opina que o mundo hoje sofre de uma falta de líderes políticos e apela para que os EUA cumpram essa função. "Eles têm exercido a liderança militar do mundo e também a econômica. Mas não conseguiram se transformar em líderes políticos", disse.

Walesa, porém, opina que a decisão do Comitê do Prêmio Nobel de dar o título de 2009 a Barack Obama foi precipitada. "Foi um pouco rápido demais", disse. "O Comitê Nobel quer a solução pacífica para os desafios do mundo. O que ele fez foi pôr as esperanças sobre o líder da superpotência", disse. "Mas se ele (Obama) fracassar, teremos o caos."

Walesa é irônico com sua própria história. "Fracassei em tudo que tentei. Mas a única verdade é que estava no caminho correto", disse.

Em 1980, ele promoveu uma greve que, aparentemente, parecia ter sido vitoriosa. Em 1981, o governo decretou uma lei marcial e prendeu centenas de pessoas. Levaria mais alguns anos até que fossem realizadas eleições livres para o Parlamento - elas ocorreram somente em 1989.

Em 1990, Walesa foi eleito presidente da Polônia. Mas não conseguiu se reeleger. Hoje, é hostilizado por parte da população polonesa, que acredita que ele não estava preparado para liderar o país.