Título: A lei ambiental paulista
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2009, Notas e informações, p. A3

Para serem eficazes, as políticas de combate ao efeito estufa, responsável pelas mudanças climáticas que representam o maior e mais espinhoso desafio com que a humanidade passou a se defrontar, dependem de um enfoque peculiar, muito caro aos ambientalistas: "Pense globalmente, aja localmente." Em outras palavras, a visão mais ampla possível do problema - a que focaliza em escala planetária os impactos dos processos econômicos e dos padrões de comportamento das sociedades sobre o meio ambiente - terá escassa serventia se não se desdobrar numa infinidade de ações em áreas, atividades e ecossistemas específicos. Claro que a noção de local varia conforme a perspectiva.

Quando se trata, por exemplo, de estipular, por acordo internacional, metas quantitativas para a redução das emissões de carbono que provocam o aquecimento global - o ideal de que a próxima Conferência de Copenhague parece distanciar-se cada vez mais -, a unidade de referência são os Estados nacionais ou os blocos regionais como a União Europeia. Mas, em cada país, a implementação dos objetivos com os quais os respectivos governos venham a se comprometer se traduziria em programas que teriam de ser estabelecidos e fiscalizados em espaços geográficos e político-administrativos relativamente restritos - em anéis que se entrelaçam ou se sobrepõem -, ainda que sejam os mesmos os setores visados (no caso brasileiro, a cobertura vegetal da Amazônia, a economia agropecuária, as modalidades de transporte e o sistema de geração de energia, notadamente).

Logo se vê, portanto, que dentro de um país - ainda mais em um país das dimensões deste - a crise do clima cobra não apenas do governo central, mas também dos poderes subnacionais, iniciativas que produzam controles ambientais efetivos. Desde que, naturalmente, elas sejam coerentes entre si em relação ao objetivo primeiro - a diminuição dos volumes de gás carbônico lançados à atmosfera - e definam linhas de intervenção adequadas às realidades locais. Assim, se no Brasil como um todo as maiores emissões vêm do desmatamento da floresta tropical, em São Paulo o principal problema é a queima de combustíveis fósseis na indústria e no transporte de carga.

Desse ângulo, a decisão do presidente Lula de dar prioridade à redução do desmate - em 80% - faz tanto sentido como a do governador José Serra de enfatizar a substituição de combustíveis poluentes, na lei que institui a Política Estadual de Mudanças Climáticas, assinada na segunda-feira. É a primeira do gênero a fixar metas de corte de carbono. Até 2020, a contar de 2011, as emissões de CO2 em São Paulo deverão diminuir 20% em relação aos volumes lançados em 2005. "Nossa lei vai implicar mudança de comportamento do setor privado e do setor público", advertiu Serra. "São Paulo está adotando uma posição ousada" - mais ousada, deu a entender, do que aquela que o governo federal fala em adotar.

De fato, depois de idas e vindas, o Planalto anunciou, por meio da ministra Dilma Rousseff, que o Brasil afinal levará a Copenhague um "compromisso voluntário" com uma meta numérica de redução de CO2 da ordem de 40%. A diferença é que os 20% de São Paulo significam um corte de 24 milhões de toneladas (do equivalente a 122 milhões de toneladas em 2005 para 98 milhões). Já os 40% de Lula incidirão sobre a tendência de aumento das emissões ao longo da próxima década. Comparando: uma coisa é um preço cair; outra é aumentar menos do que o esperado. A ministra teve a elegância de dar parabéns a Serra - seu provável adversário nas urnas em 2010 - pela sua decisão "positiva e produtiva". Mas ressalvou que não se pode comparar um Estado ao País.

O que conta é o exemplo, diz o governador. A transição para a economia sustentável requer, no plano interno, a multiplicação de iniciativas locais. Em junho, por exemplo, o prefeito paulistano assinou a primeira lei municipal de combate ao aquecimento global. O mesmo efeito demonstração vale no exterior. "Quanto mais o Brasil ousar", acredita Serra, "maior será o poder de pressão da comunidade internacional sobre os países que resistem à mudança."