Título: Protesto impede eleições na USP
Autor: Cafardo, Renata ; Gonçalves, Alexandre
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2009, Vida&, p. A19

Escolha do reitor foi transferida para hoje, fora do câmpus; é a 1ª vez que isso acontece na história da instituição

Alunos, funcionários e moradores de favelas impediram a realização ontem das eleições para reitor na Universidade de São Paulo (USP). O segundo turno foi remarcado para hoje, às 13h30, no Memorial da América Latina. Segundo o Estado apurou, a decisão de fazer a votação fora da Cidade Universitária foi tomada para facilitar a interferência da Polícia Militar caso haja outra tentativa de impedir o processo eleitoral.

Essa foi a primeira vez na história da instituição que a eleição teve de ser adiada e também que foi transferida para local externo. A reitora Suely Vilela, no entanto, já previa problemas. Há cerca de dez dias, uma equipe da USP esteve no Memorial - cujo conselho curador tem representantes da universidade - para negociar uma possível utilização do local. Suely também mandou um e-mail pedindo que os eleitores chegassem mais cedo ontem à reitoria.

Em junho, a polícia foi chamada para controlar os estudantes que faziam manifestação a favor da greve na instituição. Houve conflito, com bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha. A reitora foi duramente criticada por permitir cenas de violência contra alunos dentro da Cidade Universitária. "A Guarda Universitária fará a segurança do lado de dentro, mas o lado de fora é responsabilidade da Secretaria da Segurança Pública", disse o presidente da comissão eleitoral da USP, Ignácio Poveda, sobre o esquema montado para hoje.

O segundo turno começaria às 13h30, mas por volta das 12 horas um grupo de cerca de 300 pessoas se posicionou na frente das portas para que os eleitores não entrassem na reitoria, onde seria a votação.

Eles protestavam contra o processo eleitoral, considerado pouco democrático. Pouco mais de 300 eleitores votariam ontem e 119 não conseguiram entrar na reitoria. A USP tem hoje cerca de 5 mil professores, 80 mil alunos e 15 mil funcionários. "São 320 pessoas que querem votar por 100 mil", disse o diretor do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), Magno de Carvalho, um dos organizadores do protesto.

Questionado sobre o episódio na USP, o governador José Serra afirmou que as manifestações "ultimamente têm diminuído muito". "Mas há um processo democrático na USP de escolha de uma lista tríplice e esse processo tem de ser respeitado. Nem todo mundo gosta de fazer isso", completou. O resultado da eleição será levado ao governador e é ele quem escolhe, entre os três mais votados, o novo reitor da USP.

CONFUSÃO

Em umas das entradas da reitoria, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto bloquearam a passagem de professores com gritos de "aqui só entra trabalhador, de terno não". Houve empurra-empurra. O professor Hans Viertler, do Instituto de Química, foi um dos impedidos de entrar. "Onde está a democracia?", questionou. A pró-reitora e cientista Mayanna Zatz também foi impedida de entrar e hostilizada. Ana Lúcia Pastore, professora da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas, discutiu com estudantes, chamou manifestantes de "idiotas" e foi xingada de "hipócrita".

Do lado de dentro da reitoria, rojões lançados pelos manifestantes interrompiam as conversas dos professores. O clima era de impaciência. Os três candidatos com maior votação no primeiro turno - Glaucius Oliva (Diretor do Instituto de Física de São Carlos), João Grandino Rodas (diretor da Faculdade de Direto) e Armando Corbani (pró-reitor de pós-graduação) - conseguiram entrar. Os candidatos Sylvio Sawaya (da Arquitetura) e Sonia Penin (da Educação) foram impedidos de entrar pelos manifestantes.

"O que aconteceu é um retrato da USP atual", afirmou Rodas, logo depois que a reitora anunciou o adiamento da eleições. "Quem garante que em 24 horas todos serão avisados?" Para Oliva, eleitores que vieram dos câmpus do interior poderiam não ficar para a votação de hoje. Como sua base de apoio vem justamente dessas unidades, o candidato ajudou pessoalmente a encontrar hotéis na cidade para que as pessoas pudessem passar a noite. Docentes da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba, voltaram para o interior, mas disseram que retornariam. Corbani atribuiu a manifestação a um grupo pequeno, mas com grande capacidade de intimidação. O diretor da Faculdade de Medicina, Marcos Boulos, acha que o processo eleitoral atual é retrógrado e considera as manifestações legítimas. "Mas poderia ser feito de um modo mais produtivo."

A movimentação começou às 10 horas, quando houve uma assembleia do sindicato. A decisão de impedir a entrada dos eleitores já havia sido tomada há dias. Ontem, os manifestantes resolveram também que tentariam novamente hoje impedir a eleição. Para tentar desmobilizar os manifestantes, a reitora Suely só divulgou o novo local no início da noite.