Título: Brasil barra autopeças argentinas
Autor: Landim, Raquel
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/11/2009, Economia, p. B1

Disputa chega ao setor mais importante no comércio entre os dois países e eleva o número de produtos atingidos para 35

O Brasil elevou o tom do conflito com a Argentina e começou a retaliar no setor automotivo. O governo brasileiro está exigindo licenças de importação para algumas autopeças argentinas, o que, na prática, significa barrar a entrada. O setor automotivo é muito sensível, porque representa quase 40% do comércio entre os dois países.

A lista de autopeças sujeitas a licenças no Brasil inclui caixas de marcha, partes de aparelhos de ar condicionado, filtros de óleo de motores, baterias e partes de dispositivos elétricos de ignição. Segundo uma fonte do setor privado, os produtos foram "escolhidos a dedo" para que as fabricantes de autopeças na Argentina reclamem com o governo local.

O Brasil está aumentando a lista de produtos vindos da Argentina sujeitos a barreiras, o que provoca uma fila de caminhões na fronteira. As licenças começaram a ser aplicadas pelo País em meados de outubro para 15 produtos, como farinha de trigo, vinho e frutas. Na semana passada, quando foram incluídas as autopeças, a lista chegava a 35 itens.

O objetivo é elevar a pressão até a chegada da presidente Cristina Kirchner, na próxima quarta-feira, dia 18 de novembro, para que a Argentina retire os entraves contra os produtos brasileiros. Ela vai se reunir com o colega Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.

As barreiras adotadas pelo Brasil são uma retaliação contra as licenças de importação aplicadas pela Argentina após a crise global, que já atingem 767 itens, o que significa 17,3% das exportações brasileiras para o país, conforme cálculo da consultoria Abeceb.com.

A burocracia argentina prejudica a exportação brasileira de diversos setores, como calçados, têxteis, linha branca e autopeças. A principal reclamação do setor privado é que as restrições provocam desvio de comércio a favor da China.

Os empresários brasileiros aceitaram "voluntariamente" restringir as vendas, mas o governo argentino descumpriu os acordos e não respeita o prazo de 60 dias da Organização Mundial de Comércio (OMC) para a liberação das licenças.

No caso das autopeças, o governo brasileiro decidiu retaliar dentro do próprio setor, por causa de sua importância para o comércio. As exportações de baterias, freios e embreagens para a Argentina estão paralisadas desde 14 de setembro. Até ontem, não havia sido liberada nenhuma licença de importação para esses produtos e poucos importadores tinham conseguido se cadastrar.

As barreiras de ambos os lados preocupam as montadoras, porque, se persistirem, podem prejudicar o abastecimento das fábricas no Brasil e na Argentina, por causa do alto grau de integração dos dois países.

"O caminho para o Mercosul é a negociação e o entendimento. É preciso previsibilidade para produzir", disse o vice-presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antônio Sérgio Martins Mello.

Segundo o gerente geral da Associação das Fábricas Argentinas de Componentes (Anfac), Juan Cantarella, o problema não é generalizado, mas "pode causar problemas de abastecimento nas unidades do Brasil", se não for resolvido.

Os fabricantes brasileiros de autopeças aplaudiram a medida. "Dessa maneira, o governo argentino vai entender bem o recado", disse o presidente da Sindicato da Indústria Brasileira de Autopeças (Sindipeças), Paulo Butori. Ele argumenta que as indústrias locais têm condições de suprir o que não vier da Argentina.

No mercado argentino, onde as barreiras às autopeças brasileiras já duram quase dois meses, as empresas relatam desabastecimento para a reposição. Os importadores aumentaram as compras do Brasil antes da exigência de licenças, mas os estoques estão perto do fim.

Ainda não houve interrupção na produção de veículos no país vizinho. Se importarem diretamente, as montadoras terão o produto liberado, mas a opção cria problemas nas fábricas dessas empresas, que não trabalham com estoques.