Título: Decisão sobre Battisti fica com Gilmar Mendes
Autor: Recondo, Felipe ; Gallucci, Mariângela
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2009, Nacional, p. A4

Julgamento foi interrompido pela terceira vez, mas presidente da corte já indicou ser favorável à extradição

Pela terceira vez o Supremo Tribunal Federal (STF) adiou decisão sobre a extradição do ativista Cesare Battisti. Ontem, o ministro Marco Aurélio Mello votou pela permanência do italiano no Brasil, empatando o placar em 4 a 4. Mas o presidente da corte, Gilmar Mendes, já indicou ser favorável à extradição.

Com o destino de Battisti praticamente selado no STF, Mendes mandou recado para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Setores do governo e do Judiciário entendem que Lula, mesmo com a extradição ordenada, não seria obrigado a cumpri-la.

Para Mendes, o resultado do julgamento deverá ser cumprido por respeito à Constituição e não pelo receio de sofrer um processo de impeachment, que caberia no caso de descumprimento de uma decisão judicial. "Por que o presidente da República cumpre uma decisão? Não é porque será eventualmente afastado do cargo se não vier a cumpri-la. Porque respeita a Constituição. Sabemos que as condições políticas para seu afastamento são extremamente difíceis. Precisaria haver um processo instalado pelo procurador-geral da República e uma aprovação por dois terços da Câmara dos Deputados", disse.

JURISPRUDÊNCIA

A jurisprudência do Supremo confirma que o presidente pode negar-se a entregar Battisti. O advogado Nabor Bulhões, que representa a Itália, e o ministro Cezar Peluso, relator do pedido de extradição, afirmam que Lula deve seguir orientação do tribunal. Esse assunto será discutido na retomada do julgamento, marcada para quarta-feira.

Ontem, Mendes decidiu suspender a sessão após constatar que havia apenas cinco ministros em plenário, e anunciou que dará seu voto "oportunamente". Sem as presenças dos ministros Joaquim Barbosa e Ellen Gracie, que já votaram, mas estão viajando, e dos ministros Celso de Mello e José Antonio Dias Toffoli, que se declararam suspeitos, apenas Marco Aurélio leu seu voto.

Ele afirmou não ser da competência do tribunal avaliar a legalidade do ato que concedeu refúgio a Battisti, disse ser contra a extradição, porque os crimes cometidos seriam políticos, e declarou que a corte não deveria se pronunciar sobre necessidade de o presidente seguir o entendimento do STF.

"A configuração do crime político, para mim escancarada, é mais uma matéria prejudicial à sequência do exame dos temas envolvidos na espécie", afirmou. Marco Aurélio lembrou que várias autoridades italianas se mobilizaram para criticar a decisão do governo brasileiro de dar refúgio a Battisti.

Para ele, se Battisti fosse um criminoso comum, o governo italiano não faria essa pressão. "Assim procederiam se na espécie não se tratasse de questão política? Seria ingenuidade acreditar no inverso do que surge repleto de obviedade maior!"

Marco Aurélio disse que com certeza o presidente Lula concordou com a decisão do ministro da Justiça de dar refúgio a Battisti. "Façam ao menos justiça a sua excelência o ministro Tarso Genro, cujo domínio do direito todos reconhecem."

PRINCÍPIOS

O ministro defendeu a até então vigente jurisprudência do STF de que concedido o refúgio o processo de extradição deve ser arquivado. Para Marco Aurélio, o STF não pode assumir um papel que é do governo.

"O Supremo não há de substituir-se ao Executivo, adentrando seara que não lhe está reservada constitucionalmente e, repito, simplesmente menosprezando a quadra vivenciada à época na Itália e retratada com todas as letras na decisão proferida", argumentou.

Marco Aurélio criticou o que chamou de julgamento desordenado. "Há necessidade de preservarem-se princípios, parâmetros e valores. Única forma de avançar-se culturalmente e aprimorar-se o Estado Democrático de Direito. O julgamento desordenado, embaralhando-se temas, não se coaduna com a organicidade do direito, com a segurança jurídica garantida constitucionalmente", disse.