Título: Governo deixou de investir R$ 20 bi em infraestrutura nos últimos 5 anos
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/11/2009, Economia, p. B1

Entre 2004 e 2008, foram autorizados R$ 72 bilhões e empenhados R$ 52 bilhões, segundo dados do Tesouro

Além de ter uma verba limitada para obras, o governo federal não tem conseguido gastar nem o dinheiro que já tem garantido no orçamento. Quanto mais eleva o volume de investimentos para os setores de infraestrutura, mais dinheiro sobra nos caixas dos ministérios sem chegar ao destino. Apenas nos últimos cinco anos, a administração Lula deixou de investir R$ 20 bilhões previstos no orçamento para expandir e modernizar a infraestrutura brasileira, segundo levantamento feito pelo Estado, com dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), do Tesouro Nacional.

Entre 2004 e 2008, o governo autorizou uma dotação de R$ 72 bilhões aos ministérios de Minas e Energia, Transportes, Comunicações, Integração Nacional e Cidades. Desse valor, R$ 52 bilhões foram empenhados (compromisso de pagamento assumido pelo governo) no período. Ou seja, a diferença de R$ 20 bilhões ficou nos cofres do Tesouro para compor o Orçamento da União, podendo ser destinado a outras atividades. Segundo especialistas em gestão pública, vários fatores explicam o problema. Um deles é a baixa qualidade dos projetos, o que dificulta a aprovação e a realização das obras. Os empreendimentos enfrentam ainda questões burocráticas, dificuldade em aprovar licenças ambientais e questionamentos de órgãos como o Tribunal de Contas da União (TCU) e Ministério Público.

DEMORA

Diante desse cenário, boa parte dos valores empenhados nem sequer é desembolsada no exercício do orçamento. Ao contrário: alguns podem demorar anos para serem totalmente executados. Isso, sem contar que podem ser cancelados. Entre 2004 e 2008, esses casos somaram R$ 1,4 bilhão.

No Brasil, o empenho tem sido uma estratégia para garantir recursos para o ministério no ano seguinte. Se até o último dia de cada ano os valores empenhados não forem pagos, eles devem ser inscritos como restos a pagar. O grande problema é que isso era para ser uma exceção, não uma regra, como tem ocorrido nos últimos anos. "Os dados de execução orçamentária do governo chegam a ser dramáticos. Eles não conseguem gastar nem dinheiro que vem de financiamento, que tem incidência de juros", diz o professor da Fundação Dom Cabral, Caio Marini, especialista em administração pública.

Enquanto isso, os setores de infraestrutura vivem à beira de um colapso. Cerca de 70% das estradas pavimentadas têm qualidade entre regular e péssima; as ferrovias detêm apenas 29 mil quilômetros de trilhos; os portos estão despreparados para novos navios, que exigem profundidade elevada para atracação; e quase metade dos domicílios não tem acesso a esgoto.

Tudo isso significa um enorme entrave ao crescimento e redução da competitividade no exterior. "A ineficiência do governo na execução orçamentária é resultado da ausência de planejamento nos ministérios ligados à infraestrutura", afirma o presidente da Associação Brasileira de Logística de Transporte de Carga (ABTC), Newton Gibson. Para ele, é lamentável que o governo passe o ano todo adiando investimentos importantes e apenas faça o empenho às vésperas da virada do ano.

Em 2009, por exemplo, até agosto, o governo só havia conseguido empenhar R$ 12 bilhões dos R$ 32 bilhões do orçamento autorizado para os cinco ministérios. De despesa paga, no entanto, foram apenas R$ 2,85 bilhões - ou 8,9% do orçamento total.

"Não vejo mudanças significativas nesse cenário. Continuaremos perdendo oportunidade de investimentos em obras de vital importância para o País", diz o professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Eduardo Padilha.

Na avaliação da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), a dificuldade do governo para gastar dinheiro do orçamento também é reflexo da burocracia. Além das questões ambientais, conflitos na licitação e contratação dos serviços contribuem com a ineficiência nos gastos.

Isso sem contar as interferências do TCU, que suspende as verbas para as obras enquanto as suspeitas de irregularidade não são eliminadas. "O que está mais na moda no Brasil é o excesso de controle, que dificulta a realização de negócios no País", destaca o advogado Pedro Paulo Porto Filho, sócio da Porto Advogados.