Título: Cúpula corre risco de não ter avanço contra a fome
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/11/2009, Nacional, p. A6

Encontro não terá presença de líderes dos países ricos nem determinará prazo para eliminar carência alimentar que atinge 1 bilhão de pessoas

Esvaziada, sem metas nem líderes dos países ricos, a Cúpula Mundial contra a Fome ocorre hoje em Roma com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia do Brasil e de países emergentes de colocar a meta de eliminar a fome até 2025 não entrará no acordo final. Diante de desentendimento entre os governos, o evento corre risco de não representar avanço na luta contra a fome.

A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que promove a cúpula, anunciou que, pela primeira vez, mais de 1 bilhão de pessoas passam fome no mundo, mesmo com recorde mundial da safra de grãos em 2008. A crise financeira internacional teria aumentado o número de famintos e desfeito anos de esforços para lidar com a falta de alimentos. Em dois anos, protestos em 60 países foram registrados por causa da alta nos preços. Mesmo com a recessão e queda nos valores das commodities, o custo caiu para a população mais vulnerável.

Os países em desenvolvimento propuseram que a declaração final estabelecesse a eliminação dos índices de fome até 2025, seguindo a meta da América Latina. Mas o texto final não vai apresentar prazo. "Estamos comprometidos a tomar ações para uma erradicação sustentável da fome no prazo mais curto possível", afirma a declaração que deve ser aprovada hoje.

Outro problema na cúpula está relacionado com a promessa de recursos por parte dos países ricos para alimentar populações carentes. Na reunião do G-8, no meio do ano na Itália, líderes anunciaram que destinariam US$ 20 bilhões para lutar contra a fome. Até hoje, esse dinheiro não veio.

No texto da cúpula, obtido pelo Estado, os líderes voltam a fazer promessas de que ajudarão os mais pobres, mas sem definir os números. O governo francês indicou que não estava satisfeito com a falta de clareza no texto e garantiu que tentará mobilizar os países ricos. "O rascunho do acordo ainda precisa ser melhorado", afirmou o ministro da Agricultura da França, Bruno Le Maire.

Outro ponto retirado do texto final foi a referência de que a ajuda dos países ricos para a agricultura deveria chegar a US$ 44 bilhões por ano. A esperança da FAO e dos países emergentes era de que houvesse acordo para garantir que 17% dos recursos fossem direcionados aos países mais pobres.

Isso seria o retorno ao nível de ajuda dado em 1980. Hoje, a proporção é de 5%. Especialistas acusam a falta de investimentos no campo como um dos fatores da fome.

Há o risco de que a cúpula acabe virando apenas um encontro de chefes de Estado de países emergentes. Nenhum dos líderes do G-8 havia confirmado sua participação. O representante americano não será nem mesmo o novo diretor da Agência dos Estados Unidos de Desenvolvimento Internacional, Rajov Shah.

"O encontro e a declaração final não passam de discursos vazios e velhos", afirmou Francisco Sarmento, da entidade ActionAid. "A morte pela fome hoje não é algo inevitável. É um assassinato", diz o sociólogo Jean Ziegler, ex-relator da ONU contra a Fome.

A diplomacia brasileira ainda aposta em um resultado positivo. Um dos pontos altos do encontro será a aprovação da nova estrutura da FAO, com a reforma do Comitê sobre Segurança Alimentar. O organismo terá o poder de formular estratégias mundiais de combate à fome e cobrar resultados de países. O organismo ainda terá pela primeira vez a participação de entidades não-governamentais, além de associações privadas e pesquisadores.

Lula deve aproveitar sua participação para lembrar que a reforma da FAO segue os mesmos passos da estrutura criada no Brasil para debater a fome e criar programas para combatê-la. A agenda do presidente inclui discussão com líderes africanos sobre o melhor aproveitamento das savanas. A ideia do Brasil é a de cooperação na produção de alimentos nessas áreas, por meio da ajuda da Embrapa. Segundo a FAO, a savana teria a capacidade de ser novo centro de produções de grãos e alimentos, repetindo o caso do cerrado brasileiro.

Para a FAO e o Banco Mundial, investimentos feitos no cerrado durante os anos 80 colocaram o País como um dos principais fornecedores de alimentos.

Na virada do século, a ONU já havia estabelecido a redução da fome pela metade até 2015. Mas o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf, disse que, na melhor hipótese, ela pode ficar para 2045. "Essa tragédia não é apenas moral. Mas também uma ameaça para a paz", alertou Diouf. "Pessoas famintas são grande potencial para conflitos e migrações."