Título: Argentina obriga supostos bebês da ditadura a fazer exame de DNA
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2009, Internacional, p. A12
ONGs creem que decisão ajudará a esclarecer cerca de 400 histórias de filhos sequestrados de desaparecidos
O Senado argentino aprovou a lei que permitirá que os juízes possam ordenar a extração compulsória de amostras de DNA em supostos filhos sequestrados de vítimas da ditadura (1976-1983). A lei - aprovada por 58 votos a favor e 1 contra - autoriza a coleta de material genético de sangue, saliva, pele, cabelo ou outras amostras biológicas. A decisão foi celebrada pelos organismos de defesa dos direitos humanos. "Essa lei nos permitirá encontrar as crianças que faltam", disse Estela de Carlotto, a líder da organização de defesa dos direitos humanos Avós da Praça de Maio. "Existem 400 crianças que ainda não apareceram. Muitas avós já morreram nessa procura."
A organização, que há 32 anos busca os bebês desaparecidos, estima que ao redor de 500 crianças foram sequestradas pela ditadura.
A lei também determina que a Justiça também poderia ordenar a coleta de amostras para o exame de DNA por intermédio do confisco de objetos que contenham células desprendidas do corpo da pessoa que será analisada (como um pente ou uma peça de roupa, por exemplo).
Setores da oposição protestaram, por considerar que a extração compulsória poderia violar a vontade da pessoa examinada. O debate sobre a lei discutiu os limites entre os direitos individuais e o direito à verdade.
Uma das principais líderes da oposição, a deputada Elisa Carrió, da centro-esquerdista Coalizão Cívica, também criticou a medida. "É terrível que uma lei seja votada para a extração compulsória de DNA. Essa lei não está dirigida a proteger os direitos humanos. Ela está direcionada, com nome e sobrenome, aos filhos da senhora Ernestina Herrera de Noble", declarou, referindo-se à proprietária do jornal Clarín, que tem dois filhos adotados que poderiam ter sido sequestrados de desaparecidos. Nos últimos meses, o governo dos Kirchners tem tomado uma série de medidas contra o jornal.
"Isso é fascismo puro. O princípio da integridade e autonomia pessoal deve prevalecer. Estão violando os direitos humanos para uma vingança pessoal", afirmou a parlamentar.
Ao longo dos últimos anos, alguns jovens suspeitos de serem crianças sequestradas - que têm há mais de três décadas outras identidades - recusaram-se a realizar o exame de DNA.
Em geral, são casos de jovens que não querem conhecer as eventuais circunstâncias irregulares de seu nascimento e aceitam naturalmente as famílias que os adotaram. No entanto, é considerável o volume de jovens que - por suspeitar de suas origens - procuram a Comissão Nacional pelo Direito à Identidade. Desde o ano 2000, 3.300 jovens fizeram exames para saber se eram alguma das 400 crianças ainda não localizadas.
O drama dos "bebês da ditadura" comporta histórias como a de María Eugenia Sampalo Barragán, que no ano passado entrou com um processo pedindo 25 anos contra seus pais adotivos por a terem sequestrado e retirado de seus pais quando ela nasceu.
Durante anos, César Castillo acreditou que era filho de um casal de porteiros de Buenos Aires. Mas um dia, decidiu averiguar e descobriu que não era César, mas sim Horacio. Mais especificamente, Horacio Pietragalla Corti, sequestrado pelos militares quando tinha 5 meses, em 1976.
Em 2003, Horacio transformou-se no neto número 75 recuperado pelas Avós da Praça de Maio.
Horacio declarou-se ontem ao Estado a favor do exame compulsório de DNA: "Saber a verdade sempre é positivo. Pode ser uma coisa forte, impactante, e até duro de processar. Mas a verdade nunca é negativa."