Título: Dá para defender o IOF no câmbi.
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/11/2009, Economia, p. B4

""Seu"" Brandão manifesta preocupação com impacto do real valorizado sobre a indústria brasileira e diz que futuro chegou para o País

Aos 83 anos, o presidente do Conselho de Administração do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, exibe uma disposição de causar inveja. Ontem, durante inauguração da agência do Bradesco na favela de Heliópolis, a maior da capital paulista, ele ficou em pé por cerca de 40 minutos, sem exibir sinais de cansaço. Mais que a vitalidade física, porém, impressiona seu conhecimento da conjuntura brasileira. Para ele, não há segredo. "Nossa jornada de conselheiro é a mesma de um executivo, da ordem de 12 horas por dia. Isso permite uma abrangência de conhecimento das informações", afirma ele, que mantém a rotina de chegar ao banco antes das 7 horas. "Seu" Brandão, como é chamado por todos no banco, conversou com o Estado pouco depois do encerramento da cerimônia de inauguração. Sentado em uma das cadeiras reservadas aos clientes que vão à agência para abrir uma conta, ele falou da perda da liderança para o Itaú Unibanco, do risco do real valorizado e das especulações sobre eventual venda da participação do Bradesco na Vale.

Quando o sr. ingressou no Bradesco, o banco tinha apenas seis agências. Hoje, está presente em todos os municípios brasileiros. Qual a sensação?

Entrei quando ainda era uma casa bancária, em 1942. Sessenta e sete anos depois, conseguimos concluir essa presença integral.

Qual o sentimento?

Primeiramente, é um trabalho de presença na comunidade, que envolve a criação de condições de inclusão do cidadão dentro da atividade bancária. É um trabalho digno de registro.

Qual a importância de estar em todos os municípios?

É um banco voltado para o mercado doméstico e com capacidade de participar da atividade bancária em todo canto do País.

Aproveitando a inauguração da agência em Heliópolis, qual a importância da baixa renda para os planos do Bradesco?

O crescimento notório e as mudanças de categoria do cidadão oferecem oportunidades crescentes. É gente que vai sendo incorporada à atividade bancária. É uma oportunidade interessante para o Bradesco ter uma posição consolidada.

Os bancos brasileiros estão prontos para se expandir na baixa renda?

Sim, é algo tranquilo. Mas depende da estrutura. É um segmento que exige um dispêndio muito grande do ponto de vista tecnológico.

Muita gente diz que os mais pobres costumam dar menos calote. É verdade?

Não faço essa distinção. O que existe é que o volume que se empresta para as categorias mais pobres é muito maior. De qualquer forma, não há tanta diferença. O que existe é a seleção natural na busca da segurança nos empréstimos.

Mas e qualidade do crédito? O que se deve observar para emprestar nessa faixa?

A tradição do cliente, seu comportamento, ver se há algo negativo no cadastro. Tudo isso cresce progressivamente. Não há alocação de valores que possam comprometer.

O Bradesco vai buscar de volta a liderança entre os bancos privados?

O que temos dito é que essa liderança foi alcançada (pelo Itaú Unibanco), depois de cinco décadas, pela soma de dois grandes players, o Itaú e o Unibanco. Então, não podemos ficar sôfregos atrás da reconquista. Progressivamente, estaremos habilitados para gradualmente diminuir a diferença, que é o objetivo.

Qual o sentimento para o sr., que sempre comandou um líder?

O conforto nosso é que foi a soma de dois players. Não foi um que avançou ou nós que recuamos. É um conforto que naturalmente não invalida a busca de diminuir a diferença que existe.

Qual a estratégia para diminuir essa diferença?

Um trabalho profícuo, de realizações.

Por isso é tão importante ter presença em todo o País?

Sem dúvida. Isso nos dá muita estabilidade. Ao mesmo tempo em que algumas áreas podem ter um problema pelo clima ou outra razão, outra área menos próspera pode começar a se desenvolver. Então, há um reequilíbrio natural.

O setor bancário brasileiro está mesmo consolidado, o que diminui o espaço para aquisições?

Estreitou muito.

É diferente do passado?

Sem dúvida. No passado, havia muitas oportunidades. É por isso que agora tem de ser pelas próprias pernas.

Crescimento orgânico?

Isso.

No auge da crise, os bancos públicos emprestaram bastante, enquanto os privados, como o Bradesco, seguraram o crédito. Com isso, os públicos ganharam mercado e os privados perderam. O movimento dos públicos é sustentável?

Tem sustentação, inclusive porque o governo está engajado nesse programa. Portanto, é uma força que tem de ser considerada. Mas isso não anula ou diminui a nossa presença, particularmente quanto à qualidade dos serviços.

Por que os bancos privados seguraram o crédito?

Sentimos que o próprio tomador tinha seus cuidados. Estava muito mais ponderado.

O que fazer agora para recuperar o terreno perdido?

Particularmente, qualidade de serviços. Oitenta e seis por cento das transações bancárias são autorrealizadas pelos clientes. À medida que isso se ampliar, certamente a inclusão vai crescer e as oportunidades, aumentar.

O futuro finalmente chegou para o país do futuro?

Sem dúvida. Há lições que pudemos mostrar ao mundo globalizado. Primeiramente, o Brasil teve capacidade, especialmente na área financeira, de se preparar para uma crise como a que passamos.

Quais os riscos que o sr. vê para o Brasil hoje?

Temos esse descompasso do real valorizado, que faz com que áreas exportadoras se ressintam. É um problema indiscutível, que tem de ser reequacionado. Fora isso, o País tem condições de se comportar dentro do quadro geral.

Como vê a taxação do IOF?

É transitória. Essa entrada expressiva de dólares agravaria a valorização do real. Foi um freio, mas avalio que será transitório.

Mas é adequado?

Dá para defender.

O risco maior é não fazer nada?

Claro, lógico. Desde que seja cuidada, avaliada e tenha transitoriedade.

Como vê as especulações de o Bradesco vender a fatia na Vale?

O Bradesco entrou na privatização da Vale. A certa altura, por uma exigência do Banco Central, fizemos uma cisão de outros investimentos, e criamos a Bradespar, com destaque para a Vale. Circunstancialmente, o principal executivo da Vale é oriundo do Bradesco. Mas não entramos nessas questões que foram levantadas ou discutidas.

Como acionista, o sr. está satisfeito com a Vale?

Tranquilo, tranquilo.

O mercado especula que o Bradesco venderia a participação na Vale para poder investir na expansão de seu negócio principal.

Não há nenhuma razão para isso. Temos margens de capital suficientes para alavancar empréstimos. Não há razão para realizar a venda da Vale.

Na semana passada, o presidente do Banco Central alertou para os riscos da euforia no crédito.

Nossa alavancagem está muito proporcional ao Índice de Basileia. Estamos muito tranquilos, há muita folga. Portanto, nada que possa comprometer a estabilidade. A expansão deve ser feita com cuidado, mas o sistema brasileiro está bem equacionado.

Se o sr. tivesse de escolher um setor no crédito que vai se destacar nos próximos anos, qual seria?

Indiscutivelmente, área imobiliária. Agora existem normas que protegem o sistema financeiro e há uma procura e um estímulo do governo. Além disso, é uma área com pequena participação no País ainda.

Se o sr. fosse um banqueiro nos EUA, como teria agido? Dá para resistir a algumas situações?

É uma avaliação difícil. No calor do momento, ondas aparecem. É muito difícil criticar ex-post. É difícil na hora de tomar a decisão, porque há competição, há vários fatores.