Título: Queda da inflação foi lenta na crise
Autor: Graner, Fabio
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/11/2009, Economia, p. B5
Ritmo de declínio do IPCA foi mais devagar, na comparação com países desenvolvidos e outros emergentes
BRASÍLIA
O Brasil, na comparação com países desenvolvidos e outros emergentes, tem apresentado um ritmo mais lento de redução da taxa de inflação. A queda acentuada dos preços - em alguns casos, com forte deflação - tem sido um dos principais efeitos da crise econômica mundial desde a fase aguda no fim do ano passado, mas, no caso brasileiro, há uma resistência da inflação que chama a atenção dos economistas tanto do Banco Central (BC) como do Ministério da Fazenda.
Segundo fontes do governo ouvidas pelo Estado, essa percepção da "rigidez da inflação" é justificada por fatores como o ainda elevado nível de indexação da economia e também porque o Brasil, sustentado pelo mercado interno, foi um dos países que menos sofreram os impactos da crise financeira.
Os dados disponíveis mostram que, em setembro de 2008, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), referência do sistema de metas de inflação, registrava alta de preços acumulada em 12 meses de 6,25%. Em agosto de 2009, o indicador estava em 4,36%, passando para 4,34% em setembro. Na semana passada, o IBGE divulgou que a inflação de outubro jogou o acumulado nos últimos 12 meses para 4,17%.
Nos Estados Unidos, epicentro da crise, a inflação acumulada estava em 3,7% nos 12 meses até setembro de 2008. Quase um ano depois, o índice, nos 12 meses até agosto de 2009, apontava deflação de 1,3%. A zona do euro teve índice de preços passando de 3,2% em 12 meses em setembro de 2008 para uma deflação de 0,3% no acumulado até agosto de 2009. O Japão também registrou deflação e o Reino Unido teve uma queda drástica da inflação.
Nos emergentes, o comportamento foi menos coeso, mas os dados mostram também menor rigidez nos índices de preços. A maioria teve queda na inflação, embora em alguns casos ela tenha sido mais elevada. Analistas do governo e do mercado avaliam que a crise deixou bem claro que o Brasil tem um grau de rigidez inflacionária "bastante razoável".
Os mecanismos de indexação - que atrelam alguns preços à inflação passada - são mencionados como problema estrutural que dificulta a queda acelerada da inflação. Sem uma mudança nessas regras, avalia o governo, o nível de indexação até pode diminuir, mas a longo prazo. A economista-chefe do banco ING, Zeina Latif, concorda com a avaliação. "Essa é uma agenda que tem que ser de iniciativa do governo, pois envolve tarifas de serviços públicos."
Mas, se a economia brasileira tem um fator estrutural (a indexação) que impede a queda mais rápida do IPCA, a equipe econômica também menciona um fator conjuntural: o próprio crescimento. O Brasil foi um dos países que tiveram menor perda de atividade econômica por causa da demanda interna, que refletiu a sustentação do emprego e da renda. Também foi decisiva a ação do governo de intensificar as transferências de renda, por meio de programas como o Bolsa-Família e a elevação do salário mínimo.
Sem uma queda pronunciada da demanda interna, a inflação de serviços, que tem peso de 23,4% no IPCA, está em aceleração desde o ano passado. Como esse segmento não concorre com produtos importados e tem influência de itens como o salário mínimo, a sustentação da demanda interna evitou queda na inflação desse segmento.
Apesar do diagnóstico de rigidez da inflação brasileira, há uma questão em debate na equipe econômica: como a inflação não recuou tanto como em outros países, é possível que essa situação force uma alta antecipada dos juros. Por isso o mercado estaria apostando em alta da taxa Selic no ano que vem.
Fontes do governo chamam atenção, no entanto, para o fato de que a indústria ainda opera com margem de ociosidade . Outro fator mencionado como favorável à manutenção do IPCA na meta é o cenário de preços comportados das commodities, refletindo a recuperação lenta do mundo. Existem, ainda, avaliações divergentes em relação aos preços administrados. Alguns economistas do governo acreditam que as tarifas e serviços públicos vão manter o IPCA na meta em 2010. Outros não descartam o risco de uma alta forte de tarifas, como transporte público, água e esgoto.