Título: Inesperada responsabilidade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/11/2009, Notas e informações, p. A3

Sempre lembrada pelos tucanos - que lutaram para obter sua aprovação em 2000 - como instrumento essencial para moralizar a gestão das finanças públicas e severamente criticada pelo PT à época em que foi debatida no Congresso, por ser uma iniciativa tucana, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) está provocando uma curiosa mudança de opiniões. Tucanos concordam em mudá-la, ainda que por tempo limitado; petistas não admitem alterações.

"Não temos direito de fazer mudanças na LRF", afirmou a petista Ideli Salvatti (SC) na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, ao contestar o relatório do senador tucano Cícero Lucena (PB) recomendando a aprovação do projeto de lei do senador César Borges (PR-BA), que, diz o autor, "não objetiva promover alterações na LRF e sim flexibilizá-la para o exercício financeiro de 2009".

Trata-se de um perigoso jogo de palavras, pois o projeto muda, sim, a LRF, ao estabelecer que os limites e as obrigações nela estabelecidos para os Estados e municípios - e que são vários - serão "flexibilizados" na proporção da quebra da receita esperada. É contra esse jogo que o PT, acertadamente, tem de se bater, ainda mais que agora é governo. "Não podemos quebrar a lei. A solução não é essa", completou o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR). "Se mudarmos agora, isso abrirá caminho para outras alterações", advertiu.

A advertência é procedente. Só no Senado, além do projeto de Borges, tramitam mais de dez propondo mudanças na lei fiscal. Na Câmara dos Deputados há outros 50 projetos. Um dos projetos, que ameniza as exigências para os Estados e municípios tomarem novos empréstimos, já passou pela Câmara e está no Senado.

O projeto de Borges foi sugerido pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) sob a alegação de que a crise afetou as receitas dos municípios, sobretudo as transferências federais, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O senador baiano argumentou que as leis relativas aos orçamentos para 2009 foram elaboradas em 2008, quando não se podiam prever os efeitos da crise sobre as finanças públicas. Daí, segundo ele, a necessidade de "flexibilizar" os limites da LRF, reduzindo-os na proporção em que a receita efetiva dos Estados e municípios tiver sido menor do que a estimada nas leis orçamentárias.

O relator, o tucano Cícero Lucena, considerou a proposta "louvável", classificou as mudanças como "necessárias e oportunas" para "corrigir distorções na aplicação da LRF" e recomendou sua aprovação.

É preciso destacar, no entanto, que a LRF não criou nenhuma distorção e a proposta de mudá-la, além de inoportuna, é desnecessária. É certo, como alegam a CNM e os senadores que apoiam a proposta, que a crise afetou as receitas do setor público, como afetou a das empresas privadas e de muitas famílias. Mas, para compensar a redução das transferências do FPM, o governo federal abriu crédito especial de R$ 2 bilhões para os municípios; para os Estados, o Conselho Monetário Nacional aprovou o aumento de R$ 6 bilhões no limite de sua dívida.

Se nem isso foi suficiente para permitir que algumas prefeituras e governos estaduais respeitem os limites legais para o endividamento e para os gastos com pessoal, por exemplo, a própria LRF tem mecanismos que lhes permitem corrigir os excessos. Se o crescimento do PIB for inferior a 1% no período correspondente a quatro trimestres, os administradores públicos disporão, por exemplo, de prazo maior para adequar as contas aos limites para gastos totais com o funcionalismo e para a dívida consolidada.

Além disso, a LRF estabelece parâmetros de prudência fiscal. Quando determinados índices se aproximarem muito do limite legal, os administradores precisam adotar medidas de contenção. No caso de pessoal, por exemplo, são obrigados a suspender as contratações e os pagamentos de horas extras.

E, se nem assim conseguirem ajustar suas contas, as prefeituras ainda podem ter a esperança de contar com nova ajuda do governo Lula, que, preocupado com a eleição, poderá liberar mais verbas para os municípios. Será uma solução ruim, pois premiará quem não agiu com a necessária austeridade na crise, mas será menos ruim do que mudar a LRF.